Caminhos para conhecer Deus
Não esqueçamos nunca a experiência
de Santo Agostinho: não somos nós a possuir a Verdade depois de tê-la
procurado, mas é a Verdade que nos procura e nos possui.
Todavia há algumas vias que podem abrir o coração do homem ao conhecimento de
Deus, há sinais que conduzem para Deus. Por vezes corremos o risco de sermos
ofuscados pelo brilho do mundanismo, que nos tornam menos capazes de percorrer
tais caminhos ou de ler tais sinais. Deus, porém, não se cansa de procurar-nos,
porque nos ama. Esta é uma verdade que nos deve acompanhar cada dia, também se
certas mentalidades propagadas tornam mais difícil à Igreja e ao cristão
comunicar a alegria do Evangelho a cada criatura e conduzir todos ao encontro
com Jesus, único Salvador do mundo. Esta, porém, é a nossa missão, é a missão
da Igreja e cada crente deve vivê-la alegremente, sentindo-a como própria,
através de uma existência animada verdadeiramente pela fé, marcada pela
caridade, pelo serviço a Deus e aos outros, e capaz de irradiar esperança. Esta
missão brilha, sobretudo, na santidade à qual todos somos chamados.
Hoje não faltam dificuldades e provações para a fé, muitas vezes mal compreendida, contestada, rejeitada. São Pedro dizia aos cristãos: “Estejam sempre prontos a responder, mas com doçura e respeito, a quem vos pede a esperança que está nos vossos corações”. No passado, no Ocidente, numa sociedade considerada cristã, a fé era o ambiente em que tudo acontecia; a referência e a adesão a Deus eram, para a maioria das pessoas, parte da vida quotidiana. Pelo contrário, aquele que não acreditava precisava de justificar a própria descrença. No nosso mundo, a situação mudou e sempre mais aquele que crê precisa ser capaz de dar razão da sua fé. São João Paulo II, na sua Encíclica Fides et ratio, ressaltava como a fé é colocada à prova também na época contemporânea, atravessada por formas subtis e insidiosas do ateísmo teórico e prático (cfr nn. 46-47). A partir do Iluminismo, a crítica à religião intensificou-se; a história foi marcada também pela presença de sistemas ateus, nos quais Deus era considerado uma mera projeção da alma humana, uma ilusão e o produto de uma sociedade já distorcida por tantas alienações. O século passado conheceu um forte processo de secularismo, em nome da autonomia absoluta do homem, considerado como medidor e artífice da realidade, mas empobrecido do seu ser criatura, “à imagem e semelhança de Deus". Nos nossos tempos, verificou-se um fenómeno particularmente perigoso para a fé: existe, de facto, uma forma de ateísmo que definimos, precisamente, “prático”, no qual não se negam a verdade da fé ou os ritos religiosos, mas simplesmente são considerados irrelevantes para a existência quotidiana, destacados da vida, inúteis. Muitas vezes, então, acredita-se em Deus de modo superficial e vive-se “como se Deus não existisse”. No final, porém, este modo de viver resulta ainda mais destrutivo, porque leva à indiferença para com a fé e a questão de Deus.
Na realidade, o homem, separado de
Deus, é reduzido a uma única dimensão, a horizontal, e este reducionismo é uma
das causas fundamentais dos totalitarismos que tiveram consequências trágicas
no século passado, bem como a crise de valores que vemos na realidade atual.
Obscurecendo a referência a Deus, obscureceu-se também o horizonte ético, para
deixar espaço ao relativismo e a uma concepção ambígua da liberdade, que em vez
de fins libertadores, acaba por amarrar o homem aos ídolos. As tentações que Jesus
enfrentou no deserto antes da sua missão pública, representam bem quais ídolos
fascinam o homem, quando não vai além de si mesmo. Se Deus perde a
centralidade, o homem perde o seu lugar certo, não encontra mais a sua
colocação na criação, nas relações com os outros. Não diminui isso que a
sabedoria antiga evoca com o mito de Prometeu: o homem acha que pode tornar-se
a si mesmo “deus”, mestre da vida e da morte.
Diante deste quadro, a Igreja, fiel ao mandato de Cristo, não cessa nunca de
afirmar a verdade sobre o homem e sobre o seu destino. O Concílio Vaticano II
afirma sinteticamente: “A maior razão da dignidade do homem consiste na sua
vocação à comunhão com Deus. Desde o nascimento, o homem é convidado ao diálogo
com Deus: não existiria, na verdade, se não fosse criado pelo amor de Deus, por
Ele sempre é conservado por amor, nem vive plenamente segundo a verdade se não
O reconhece livremente e não se confia ao seu criador.” (GS, 19).
Que respostas, então, é chamada a dar a fé, com “doçura e respeito”, ao
ateísmo, ao ceticismo, à indiferença para com a dimensão vertical, para que o
homem do nosso tempo possa continuar a interrogar-se sobre a existência de Deus
e a percorrer os caminhos que conduzem a Ele? Gostaria de mencionar alguns
caminhos, que derivam seja da reflexão natural, seja da própria força da fé.
Gostaria de resumir muito sinteticamente em três palavras: o mundo, o homem, a
fé.
A primeira: o mundo. Santo Agostinho, que na sua vida procurou longamente a
Verdade e foi agarrado pela Verdade, tem uma belíssima e célebre obra, na qual
afirma: “Interroga a beleza da terra, do mar, do ar rarefeito e em toda parte
expandida; interroga a beleza do céu..., interroga todas estas realidades.
Todos te responderão: olha para nós também e observa como somos belos. A beleza
deles é como um hino de louvor. Ora, estas criaturas tão belas, mas mudando,
quem as fez se não um que é a beleza de modo imutável?” (Sermo 241, 2: PL 38,
1134). Penso que devemos recuperar e fazer recuperar ao homem de hoje a
capacidade de contemplar a criação, a sua beleza, a sua estrutura. O mundo, quanto
mais o conhecemos, mais descobrimos os surpreendentes mecanismos, mais
vemos um projeto, vemos que tem uma inteligência criadora. Albert Einstein
disse que nas leis da natureza “revela-se uma razão assim superior que toda a
racionalidade do pensamento e das ordens humanas é comparativamente um reflexo
absolutamente insignificante” (O Mundo como o vejo eu, Roma 2005). Uma primeira
via, então, que conduz à descoberta de Deus é o contemplar com olhos atentos a
criação.
A segunda palavra: o homem. Sempre Santo Agostinho, então, tem uma célebre
frase na qual diz que Deus é mais íntimo a mim quanto o seja eu a mim mesmo.
Daqui ele formula o convite: “Não ande fora de si, entre em si mesmo: no homem
interior habita a verdade”. Este é um outro aspecto que nós corremos o risco de
perder no mundo barulhento e distraído em que vivemos: a capacidade de parar e
olhar em profundidade para nós mesmos e ler esta sede de infinito que trazemos
dentro, que nos impele a andar além e refere-se a Alguém que possa preenchê-la.
O Catecismo da Igreja Católica afirma: “Com a sua abertura à verdade e à
beleza, com o seu senso de bem moral, com a sua liberdade e a voz do
conhecimento, com a sua aspiração ao infinito e à felicidade, o homem se
interroga sobre a existência de Deus” (n. 33).
A terceira palavra: a fé. Sobretudo na realidade do nosso tempo, não devemos
esquecer que um caminho que conduz ao conhecimento e ao encontro com Deus é o
caminho da fé. Quem crê está unido a Deus, está aberto à sua graça, à força da
caridade. Assim a sua existência torna-se testemunha não de si mesmo, mas do
Ressuscitado, e a sua fé não tem medo de mostrar-se na vida cotidiana, é aberta
ao diálogo que exprime profunda amizade para o caminho de cada uma, e sabe
abrir luzes de esperança à necessidade de redenção, de felicidade, de futuro. A
fé, de facto, é encontro com Deus que fala e opera na história e que converte a
nossa vida quotidiana, transformando em nós a mentalidade, juízos de valor,
escolhas e ações concretas. Não é ilusão, fuga da realidade, refúgio
confortável, sentimentalismo, mas é implicação de toda a vida e é anúncio do
Evangelho, Boa Notícia capaz de libertar todos os homens. Um cristão, uma
comunidade que seja diligente e fiel ao projeto de Deus que nos amou primeiro,
constitui uma via privilegiada para aqueles que estão na indiferença ou na
dúvida acerca da sua existência e da sua ação. Isto, porém, pede a cada um para
tornar sempre mais transparente o próprio testemunho de fé, purificando a
própria vida para que seja conforme Cristo. Hoje muitos têm compreensão
limitada da fé cristã, porque a identificam como um mero sistema de crença e de
valores e não tanto com a verdade de um Deus revelada na história, desejoso de
comunicar com o homem face a face, num relacionamento de amor com ele. Na
realidade, o fundamento de cada doutrina ou valor tem o acontecimento do
encontro entre o homem e Deus em Cristo Jesus. O Cristianismo, antes que uma
moral ou uma ética, é caso de amor, é o acolher a pessoa de Jesus. Por isso, o
cristão e a comunidade cristã devem antes de tudo olhar e fazer olhar para
Cristo, verdadeiro caminho que conduz a Deus.
Bento XVI