A Quaresma é um tempo privilegiado para intensificar o
caminho da própria conversão. Este caminho supõe cooperar com a graça, para dar
morte ao homem velho que actua em nós. Trata-se de romper com o pecado que
habita em nossos corações, nos afastar de tudo aquilo que nos separa do Plano
de Deus, e, por conseguinte, da nossa felicidade e realização pessoal.
No início da Quaresma, encontramos Jesus tentado pelo diabo.
A Bíblia tem vários nomes para este personagem, mas em todos subjaz a mesma
incumbência da sua missão: o que separa, o que arranca; diabo, dia-bolus: o que
divide. O demónio – no meio do mundo que o ignora e o torna frívolo – está mais
presente do que nunca: nos medos, nos dramas, nas mentiras e nos vazios do
homem pós-moderno, aparentemente descontraído, brincalhão e divertido.
Com Jesus, como com todos, o diabo procurará fazer uma única
tentação, ainda que com diversos matizes: romper a comunhão com Deus Pai. Para
este fim, todos os meios serão aptos, desde citar a própria Bíblia até
fantasiar-se de anjo da luz. As três tentações de Jesus são um exemplo muito
actual: da tua fome, converte as pedras em pão; das tuas aspirações, torna-te
dono de tudo; da tua condição de filho de Deus, coloca a tua protecção à prova.
Por outras palavras: o dia-bolus buscará conduzir Jesus por um caminho no qual
Deus ou é banal e supérfluo, ou é inútil e nocivo.
Prescindir de Deus porque eu reduzo as minhas necessidades a
um pão que eu mesmo posso fabricar, como se fosse a minha própria mágica.
Prescindir de Deus modificando o seu plano sobre mim, incluindo aspirações de
domínio que não têm a ver com a missão que Ele me confiou. Prescindir de Deus
banalizando a sua providência, fazendo dela um capricho ou uma diversão.
Isto torna-se actual se formos traduzindo, com nomes e cores,
quais são as tentações reais (!) que separam – cada um e todos juntos – de Deus
e, portanto, dos outros também. A tentação do deus-ter (em todas as suas
manifestações de preocupação pelo dinheiro, pela acumulação, pelas “devoções” a
lotarias e jogos, pelo consumismo). A tentação do deus-poder (com todo o leque
de pretensões de ascensão, que confundem o serviço aos demais com o servir-se
dos demais, para os próprios interesses e controles). A tentação do deus-prazer
(com tantas, tão infelizes e, sobretudo tão desumanizadoras formas de praticar
o hedonismo, tentando censurar inutilmente a nossa limitação e finitude).
Ninguém duvida que existem muitos diabos, que nos encantam e
seduzem a partir da chantagem das suas condições e, apresentando tudo como
fácil e atrativo, nos separam de Deus, dos outros e de nós mesmos.
Jesus venceu o diabo. A Quaresma é um tempo para voltarmos
para o Senhor, unindo novamente tudo o que o tentador separou. “Jejuando
quarenta dias no deserto, Jesus consagrou a abstinência quaresmal. Desarmando
as ciladas do antigo inimigo, ensinou-nos a vencer o fermento da maldade.
Celebrando agora o mistério pascal, nós preparamo-nos para a Páscoa
definitiva”.
Oremos:Ó
Deus, que nos alimentaste com este pão que nutre a fé, incentiva a esperança e
fortalece a caridade, dai-nos a graça de desejarmos Cristo, pão vivo e
verdadeiro, e viver de toda a Palavra que sai da vossa boca para vencer o
pecado, a nós mesmos e ao diabo. Por Cristo, nosso Senhor. Amém