A Igreja chama ao jejum, à esmola e à oração, “remédios contra o pecado”; pois cada uma destas actividades, a seu modo, ajudam-nos a vencer o maior mal deste mundo, o pecado. A oração fortalece-nos em Deus, a esmola (obras de caridade) “cobre uma multidão de pecados”; e o jejum fortalece o nosso espírito contra as tentações da carne e do espírito, e liberta-nos e abre para os valores superiores da alma.
“Ordenai um jejum” (Jl. 1, 14). São as palavras que ouvimos na primeira leitura da Quarta-feira de Cinzas, quando começa a Quaresma. O jejum no tempo da Quaresma é também a expressão da nossa solidariedade com Cristo, preso, torturado, flagelado, coroado de espinhos, condenado à morte, crucificado e morto.
Ao jejuar devemos concentrar-nos não só na prática da abstenção do alimento ou das bebidas, mas no significado mais profundo desta prática. O alimento e as bebidas são indispensáveis para o homem viver, disto se serve e deve servir-se, mas não lhe é lícito abusar seja da forma que for. O jejum tem como finalidade levar-nos a um equilíbrio necessário, e ao desprendimento daquilo que podemos chamar de “atitude consumista”, característica da nossa civilização.
O homem orientado para os bens materiais, muitas vezes abusa deles. Hoje busca-se acima de tudo a satisfação dos sentidos, a excitação que disso deriva, o prazer momentâneo e a multiplicidade de sensações cada vez maior. E isto acaba por gerar um vazio no coração do homem moderno; pois sem Deus ele não se pode satisfazer. O barulho do mundo e o prazer das criaturas não conseguem preencher o seu coração.
A criança hoje, e também muitos adultos, vivem de sensações, procura sensações sempre novas… E torna-se assim, sem se dar conta, escravo desta paixão actual; a vontade fica presa ao hábito, a que não sabe opor-se.
O jejum ajuda-nos a aprender a renunciar a alguma coisa. Ele faz-nos capazes de dizer “não” a nós mesmos, e abre-nos aos valores mais nobres da nossa alma: a espiritualidade, a reflexão, a vontade consciente. O jejum põe-nos de pé e de cabeça para cima. Há muitos que caminham de cabeça para baixo; isto acontece quando o corpo comanda o espírito e o esmaga. É o prazer do corpo que o comanda e não a vontade do espírito.
É preciso entender que a renúncia às sensações, aos estímulos, aos prazeres e ainda ao alimento ou às bebidas, não é um fim em si mesmo, mas apenas um “meio”, deve apenas preparar o caminho para conquistas mais profundas. A renúncia do alimento deve servir para criar em nós condições para poder viver os valores superiores. Por isso o jejum não pode ser algo triste, enfadonho, mas uma actividade feliz que nos liberta.
Os Padres da Igreja davam grande valor ao jejum. Diz, por exemplo, São Pedro Crisólogo (†451): “O jejum é paz do corpo, força dos espíritos e vigor das almas” e ainda: “O jejum é o leme da vida humana e governa todo o navio do nosso corpo” (Sermão VII: sobre o jejum, 3.1).
Santo Ambrósio (†397) diz: “A tua carne está-te sujeita (…): Não sigas as solicitações ilícitas, mas refreia-as algum tanto, mesmo no que diz respeito às coisas lícitas. De facto, quem não se abstém de nenhuma das coisas lícitas, está também perto das ilícitas» (Sermão sobre a utilidade do jejum, III. V. VII). Até escritores, que não pertencem ao cristianismo, declaram a mesma verdade. Esta é de alcance universal. Faz parte da sabedoria universal da vida.
Mahatma Gandhi dizia: “O jejum é a oração mais dolorosa e também a mais sincera”. “Cada jejum é a oração intensa, purificação do pensamento, impulso da alma para a vida divina, a fim de nela se perder”. “O jejum é para a alma o que os olhos são para o corpo”. (Toschi, Tomas – Gandhi mensagem para hoje, Editora mundo 3, pag. 97, SP, 1977)
O jejum confere à oração maior eficácia. Por ele o homem descobre, de facto, que é mais “senhor de si mesmo” e que se tornou interiormente livre. Dá-se conta que a conversão e o encontro com Deus, por meio da oração, frutificam nele. Assim, o jejum não é algo que sobrou de uma prática religiosa dos séculos passados, mas é também indispensável ao homem de hoje, aos cristãos do nosso tempo.
A Bíblia recomenda muito o jejum, tanto o Antigo como o Novo Testamento; Jesus realizou-o durante quarenta dias no deserto antes de enfrentar o demónio e começar a sua vida pública; e muito o recomendou. “Quanto a esta espécie de demónios, só se podem expulsar à força de oração e de jejum” (Mt 17,20). “Boa coisa é a oração acompanhada de jejum, e a esmola é preferível aos tesouros de ouro escondidos”. (Tb 12,8).
O nosso jejum deve ser acompanhado de mudança de vida, conversão, arrependimento dos pecados e volta para Deus. O profeta Isaías chamava a atenção do povo para isto: “De que serve jejuar, se com isto não vos importais? E mortificar-nos, se nisto não prestais atenção? É que no dia do vosso jejum, só cuidais dos vossos negócios, e oprimis todos os vossos operários”. Passais o vosso jejum em disputas e altercações, ferindo com o punho o pobre. Não é jejuando assim que fareis chegar lá em cima a vossa voz. O jejum que me agrada porventura consiste em o homem se mortificar por um dia? Curvar a cabeça como um junco, deitar sobre o saco e a cinza? Podeis chamar isto jejum, um dia agradável ao Senhor? Sabeis qual é o jejum que eu aprecio? - diz o Senhor Deus: É romper as cadeias injustas, desatar as cordas do jugo, mandar embora livres os oprimidos, e quebrar toda a espécie de jugo”. (Is 58,3-6)
Cada um de nós tem a própria individualidade; por isso, cada um deve realizar a forma de jejum que mais lhe seja adequada.