O seu significado difere dos conceitos que as palavras substância, matéria e acidente têm na Física moderna
A fé católica ensina que pelas palavras da Consagração, na
Santa Missa, o pão se torna corpo e o vinho se torna sangue de Cristo, Nosso
Senhor. Diante desta acção da Omnipotência Divina, mistério de fé, convém
propor, brevemente, uma reflexão.
Partimos do ponto básico que é a Palavra de Deus escrita (cf.
Mt 26,26-27; Mc 14,22-24; Lc 22,19-20 e 1Cor 11,24-25). Nela, o Senhor nos
garante o seguinte: aquilo que fora oferecido sob a espécie de pão é (não
representa apenas) seu corpo e sob a espécie de vinho é (não representa apenas)
seu sangue.
Ora, a Igreja sempre professou esta verdade de fé, de modo
que Santo Agostinho de Hipona († 430) ensinava: “O que vedes, caríssimos, na
mesa do Senhor, é pão e vinho; mas este pão e este vinho, acrescentando-se-lhes
a palavra, tornam-se corpo e sangue de Cristo… Tira a palavra, e tens pão e
vinho; acrescenta a palavra, e já tens outra coisa. E essa outra coisa o que é?
Corpo e Sangue de Cristo. Tira a palavra, e tens pão e vinho; acrescenta a
palavra, e tens um sacramento. A isto tudo vós dizeis: ‘Amem’. Dizer ‘Amem’ é
subscrever. ‘Amem’ em latim significa: ‘É verdade’” (Sermão 6,3).
Note-se, portanto, que a conversão ou mudança da substância
do pão e do vinho no corpo e no sangue de Cristo sempre existiu, a partir da
instituição da Eucaristia pelo próprio Senhor Jesus ao cear com os seus
Apóstolos, conforme as passagens bíblicas citadas. Faltava, porém, uma palavra
capaz de expressar, à luz da Filosofia e da Teologia, esta realidade. Este
termo apareceu entre os séculos XI e XII e tornou-se comum a partir de então: é
o vocábulo transubstanciação.
Com efeito, em 1079, um Concílio Regional, em Roma,
recolhendo os dados da Tradição, elaborou a seguinte profissão de fé:
“Intimamente creio e abertamente confesso que o pão e o vinho colocados sobre o
altar, mediante o mistério da oração sagrada e as palavras do nosso Redentor,
se convertem substancialmente (substantialiter converti) na verdadeira, própria
e vivífica carne e no sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo; e… que depois da
consagração, há o verdadeiro corpo de Cristo, o qual nasceu da Virgem, foi
oferecido para a salvação do mundo, pendurado na cruz e agora está assentado à
direita do Pai; há também o verdadeiro
sangue de Cristo, que jorrou do seu lado… na propriedade da sua natureza e na
realidade da sua substância” (DS 700).
Pois bem, no século XIII, o Concílio de Latrão IV (1215)
consagrou, nos seus documentos, a palavra transubstanciação que foi usada pelos
Concílios de Latrão IV (1415-1417), de Florença (1438-1444) e de Trento. Este,
em 1551, afirmou que a conversão do pão e do vinho em corpo e sangue de Cristo
“foi com muito acerto e propriedade chamada pela Igreja Católica transubstanciação” (DS 1642; cf. DS
1652).
Proposta, portanto, a doutrina da Igreja, resta-nos entender
o que, realmente, deseja expressar o termo transubstanciação em linguagem
filosófico-teológica (também entendida pelo bem-senso), pois o seu significado
difere dos conceitos que as palavras substância, matéria e acidente, alicerces
da transubstanciação, têm na Física moderna. É o seguinte: em todo o ser há um
conjunto de notas acidentais (tamanho, peso, cor, sabor etc.), mas também
existe, necessariamente, um substrato permanente e inalterável que dá unidade e
coesão a este ser. Mais: vemos sempre os acidentes, mas não a substância (o que
sub está ou o que suporta) de um ser.
Na Consagração, ocorre, pois, a transubstanciação: o pão e o
vinho conservam todos os seus acidentes (cor, quantidade, sabor…), mas transformam-se,
nas suas substâncias de pão e de vinho, na substância do corpo humano e no
sangue de Jesus Cristo, Nosso Senhor. Como explicar isto? – É um mistério de fé
que, embora não seja absurdo, como ficou demonstrado, exige uma intervenção de
Deus que tudo pode para ser realizado este grande acto de amor. Antes da sua
morte e ressurreição, o Senhor Jesus quis dar-se em comida e bebida para nos
salvar.
Sejamos-Lhe gratos, hoje e sempre!