CINCO CONTOS DE NATAL
1 - EU ESTAVA LÁ
Anoitecia. Cheguei a Belém envolta num manto azul e
branco. Caminhava sozinha.
Cansada de tanto procurar onde passar a noite entrei numa gruta e coloquei-me
num lugar meio escondido e alto. Usei feno para fazer um travesseiro e cobri-o
com uma ponta do manto. O restante do manto serviu-me de coberta. Por uma
fresta na cobertura eu espiava a noite estrelada e fria.
Estava pegando no sono quando ouvi passos e vozes suaves de pessoas que também
procuravam abrigo. Não perceberam que o seu estava lá em cima. No meio da noite
ouvi choro de bebé recém-nascido. Logo a seguir, vozes em coro a cantar. Uma
luminosidade diferente entrou por todas as frestas da cobertura e a gruta
iluminou-se. Levantei-me assustada, para verificar o que estava a acontecer. Em
meio a tanta claridade os meus olhos tiveram dificuldade de ver, mas o meu coração
iluminou-se e fui tomada de grande entendimento e emoção. Lembrei-me do que a
Sagrada Escritura relata a respeito do Nascimento de Jesus.
Sorrindo e chorando de alegria, ajeitei-me e juntei-me aos pastores que
chegavam com presentes. Todos pareciam muito emocionados. Falámos pouco,
entregámos os nossos presentes e passámos longo tempo a contemplar a cena e
adorando o Menino.
Imaginem a minha alegria e gratidão! Eu estava lá, naquela noite santa em que o
Salvador Jesus nasceu! Pude abraçar Maria e José, acariciar Jesus e sorrir para
todos que estavam a chegar para presenteá-lo e adorá-lo.
Amanhecia. Dei mais um abraço apertado a José. Acariciei o rosto de Maria e
ofereci-lhe o meu manto. Era tudo o que eu tinha. Entre o menino e eu houve um
momento de sintonia de corações. Ele estava a dormir. Beijei as suas mãozinhas
e fui-me afastando. Envolta em manto de aurora, saí de Belém levando comigo a
emoção duradoura da primeira noite de Natal.
2 - O FILHO DO PAI
Confesso que sou um anjo comodista. O meu
passatempo preferido é espreguiçar-me nas nuvens, tirar floquinhos delas e lançá-los
aos meus irmãos.
Havia um certo rebuliço no céu... diziam que ia nascer
o Filho do PAI. Que estranho, não é? O Filho do PAI ia nascer... Não entendi
nada! Melhor não entender mesmo! Se perguntar pode sobrar alguma coisa para eu
fazer! No céu, tudo é motivo de festa e alegria!
Estava a dormir sobre a minha nuvem preferida, quando
um clarão me despertou. Que susto, meu Deus! O meu coração quase saltava pela
boca. Fiquei encolhidinho, com muito medo. Seria o apocalipse? Mais calmo, fui
percebendo que era uma estrela gigante, nunca me vi tão iluminado! Ela ofuscava
os meus olhos e apontava para uma determinada direção.
Os anjos voavam leves como pássaros, para lá e para cá.
O anjo Gabriel deu-me uma bronca pela roupa amarrotada e chamou-me para descer,
levando a harpa, pois havia nascido o Filho do
Pai. Descemos sobre um estábulo. Os meus irmãos
espalhavam-se pelas imediações. Uns sobre árvores, outros no telheiro e outros no
chão. Os animais pareciam estátuas. Todos voltados para o lugar iluminado pela
grande estrela. Estavam admirados e comportados.
Fui abrindo caminho para ver o que acontecia. Até hoje
o meu coração acelera ao lembrar. Foi o momento mais bonito de toda a minha
eternidade. Uma criança belíssima estava numa manjedoura amaciada com palha e
coberta com um pano branco. Era um menino; o mais lindo que já vi. Ele sorria
com a boca e com os olhos. Sentada ao lado, uma linda jovem, que acariciava a
mãozinha do bebé. De pé, um homem. Com uma das mãos acenava para que os
pastores não tivessem receio e se aproximassem para ver o menino. Foi aí que
descobri que aquela criança era um ser único, o Filho de Deus, nascido na
Terra, para salvar a humanidade.
Não posso nem consigo explicar a emoção que aquele
cenário me proporcionou. Uma luminosidade diferente emanava daquele recanto. As
pessoas tinham luz própria, eram a personificação da beleza, da ternura e do
amor. Senti-me tão envolvido que não percebi que desciam lágrimas pelo meu
rosto. Era um choro emocionado, feliz, pelo privilégio daquela contemplação.
Tinha vontade de cantar... cantar... Os meus irmãozinhos tiveram o mesmo
pensamento, creio. Todos choravam e riam.
Os humildes pastores ajoelhados adoravam o menino. O
boi e o burro aproximaram-se mais para aquecê-lo, pois a noite apesar de linda,
estava muito fria. Das nossas cordas vocais e dos nossos instrumentos, foi
brotando o mais belo hino de louvor:
"GLÓRIA A DEUS NAS ALTURAS E PAZ NA TERRA AOS HOMENS POR ELE AMADOS!"
3 - Natal em Família
Mês de dezembro. Estranha agitação apodera-se das
pessoas. Repentina explosão de luzes e de vermelho e verde. Foi dada a largada
para os preparativos do Natal. Ninguém mais anda. Todos correm, entrando e
saindo dos shopping-centers, carregados de sacolas e embrulhos. De repente,
todos redescobrem a família, todos querem estar juntos e trocar presentes.
Nada é diferente na casa de Henrique e Juçara. Imenso pinheiro é erguido num
canto do varandão do apartamento. Contornos do prédio são decorados com minúsculas
lâmpadas em série, como tantos outros da rua, naquele mágico clima de Natal.
Naquele lar, como todas as crianças, os cinco netos do casal esperam ansiosos
os presentes, mas cresceram sabendo que o grande motivo da festa
é o nascimento de Jesus. Cada um deles, já foi o menino, no presépio vivo, na
hora das orações.
Antes da ceia, a família celebra com orações e cânticos, que culminam com a
montagem do presépio, ao pé da árvore. Camilla, de cinco anos, é Maria; Pedro,
de sete, é José; Rafaella, de dois e, Tiago, de um, são anjinhos e Gabriella,
de apenas três meses, é o recém-nascido, Jesus...
Pouco depois, cansadinhos da posição de estátua, um anjo senta-se no chão e tira
o sapato que incomoda; o outro, toca a trombeta. Maria irrita-se de tanto
ajeitar o manto de cetim, que escorrega ombros abaixo. Desiste dele e solta os
longos cabelos. José faz do cajado uma espingarda e “atira” para todos os
lados. Só o “menino” dorme tranquilamente. Diante da falta de concentração
infantil, o fim da cerimónia é antecipado.
Alguns minutos depois, Henrique desaparece. “Onde está o vovô?” pergunta Pedro.
“Foi desejar feliz Natal à vizinha do andar de cima”, explica a vovó. Na
verdade, Henrique estava no escritório, envolvido pela falsa barriga, fazendo
maquiagem e ajeitando a barba postiça. Chegou a vez do Pai-Natal. Ele sai pela
porta da cozinha e entra pela sala tocando um sininho. As crianças emudecem; os
maiores, emocionados; os menores, com medo.
Pai-Natal senta-se no sofá e começa a tirar do enorme saco os presentes da
criançada. Pedro detém-se em abraçar o bom velhinho pelo pescoço; mexe no
gorro, ajeita os óculos. Procura no meio dos pêlos brancos a orelha dele.
Henrique disfarça, tira as mãos do menino, mas o pequeno não desvia a atenção do
seu rosto.
O avô apressa-se na distribuição dos presentes e, na saída, ainda uma vez é
agarrado pelo Pedro, pelas pernas: “Espere o vovô chegar! Ele já vem!”. Pai
Noel, olhando de banda, explica que tem muitos presentes para entregar.
Dez minutos depois, Henrique está de volta. Há papéis rasgados por todos os
lados; as crianças parecem pintainhos ciscando no lixo. Camilla conta a
novidade: “O Pai Natal chegou, avô!”.
Pedro olha atentamente para o avô e grita: “Descobri uma coisa!” Todos olham
atónitos para o menino. Certamente descobriu a identidade de Pai-Natal. O
menino completa: “O vovô, quando ficar velhinho, vai ser Pai-Natal... Sabe por
quê? Eu olhei bem para ele. Essa pinta do vovô, perto da orelha, é
igualzinha à dele!” Todos riram.
Na televisão, já anunciavam a proximidade da meia-noite. Começa a Missa do
Galo. Todos se abraçam e, por fim, as delícias preparadas para a ceia. As
crianças brincam no chão e não demonstram o menor sinal de sono. Os olhos
fundos da dona da casa denotam cansaço pelo dia exaustivo.
Toca o interfone; pela varanda vêem um mendigo no portão do prédio. Alguém
replica: “Deve querer dinheiro para a pinga de Natal”. Pedro retruca: “Nada
disso! Vai abrir o portão, vô! É Jesus! Olha a barba dele! Ele chegou para
também cantar os parabéns!”
A avó explica que é um pobre pedindo esmola. Pedro, simplesmente retruca:
”Ora! Se Jesus, quando bebé, era pobrezinho, nasceu perto do boi e do
burro, agora, depois de grande, continua pobrezinho! Vai lá, vô! Abre logo,
antes que ele vá embora!”
4 - Manjedoura de Madeira
Era uma noite
estrelada e fria. Eu estava numa gruta, quando um casal chegou procurando
abrigo. Eles pareciam muito cansados, mas não reclamavam de nada.
O homem pendurou a lanterna que trazia; percorreu com o olhar toda a gruta e
sorriu. Apanhou grande quantidade de feno e preparou uma cama para a mulher
descansar. Ela estava grávida. Ambos falavam baixinho; às vezes, parecia que
conversavam com Deus.
O homem sorriu novamente quando me viu. Pegou-me com cuidado, colocou uma
braçada de feno e alguns panos dobrados sobre mim. Depois de algum tempo ouvi o
choro de um bebé. A gruta, que estava na penumbra, iluminou-se. O homem tomou a
criança nos braços, enfaixou-a, olhou-a com carinho e deitou-a cuidadosamente
em mim. Tive a sensação de que estava a acolher e abraçar uma pessoa muito
especial.
De repente, no silêncio da noite, ouvi canções que pareciam vindas do céu. Um
cordeirinho aconchegou-se a mim e ficou a olhar para o menino.
Muitas coisas lindas aconteceram-me naquela gruta. Aos poucos comecei a
perceber quem era aquela criança. Eu, que servia de recipiente para o feno,
alimento de animais, a partir daquela noite, em muitos lugares do mundo, faço
parte do cenário que lembra o nascimento de Jesus. As pessoas me seguram com
cuidado e carinho, cobrem-me com palhinhas e belos tecidos. Tenho a honra de
sustentar e apresentar ao mundo a imagem da divina Criança. Quando as pessoas
sorriem para o menino, ladeado por Maria e José, recordo aquela noite santa e
tantas outras em que participei dessas celebrações.
Meu coração de madeira ganha vida e perpassa os momentos em que estive com ele:
fui berço, estive muito presente na carpintaria do seu pai. Bem mais tarde, fui
barco com os quais seus amigos trabalhavam. Também fui mesa para um jantar de
despedida, à luz de velas e lanternas. O “menino”, já homem feito, estava
triste e conversando longamente com seus amigos.
No dia seguinte, transformaram-me numa cruz e ele arrastou-me pelas ruas da
cidade. Estremeço e choro ao lembrar aquele dia de muita dor e escuridão.
Estivemos abraçados por longo tempo e, no final, pregados juntos. Ele deixou em
mim marcas de dor e de amor.
Sim, sou a MANJEDOURA e, na minha “madeiridade”, acompanhei-O até ao fim da Sua
vida.
5 - RECORDAÇÕES DE MARIA
Aceitei o convite para relatar algo sobre os acontecimentos daquela noite, em que Jesus nasceu. Aceitei o convite. Alegro-me em saber que o mundo cristão continua preocupado em trazer à mente e coração, recordar, viver e passar adiante os exemplos e ensinamentos do Mestre. Também estou em sintonia com esse tempo de festas e celebrações, de solidariedade, de busca da paz e de renascimento interior, na comemoração do aniversário de Jesus. Peço licença para fechar os olhos. Posso, assim, recordar melhor aquela noite santa e inesquecível.
Chegamos a Belém ao anoitecer. Depois de algumas buscas de onde passar a noite, foi-nos indicada uma gruta. José e eu estávamos cansados, mas alegres e serenos. Tudo foi acontecendo de forma harmoniosa, com a ajuda dos Anjos do Céu e da Terra. Lembro-me de como José sorria cada vez que encontrava respostas para as suas buscas e preocupações. Preparou um lugar confortável para eu repousar. De uma manjedoura fez um berço macio.
Sentia que o meu Filho estava para nascer. Cansada, adormeci confiando em
José, que era alegre, paciente e solícito em prover as nossas necessidades.
Senti algumas dores e contrações, mas o nascimento do meu filho aconteceu muito
rápido e envolto em manifestações celestiais. Os anjos deviam estar por perto e
ajudando. Assim que o menino nasceu, ouvimos um coro de vozes que, vindo do
Céu, invadia todo o ambiente com um canto de glória e de paz.
As palavras de Jesus tocam e fazem vibrar o meu coração de mãe, despertando
lembranças daquela noite em que Ele nasceu, durante a nossa viagem a Belém de
Judá:
"Eu sou a Luz do mundo, quem me segue não anda nas trevas".
Aquela cena do divino esplendor volta à minha mente. Havia uma luz vinda do céu
e que penetrava por todas as frestas e aberturas da gruta onde estávamos. Era
uma luz inexplicável. Iluminava o ambiente e também a nossa fé. O meu Filho também
mostrava uma aura de luz.
"Eu sou o Bom Pastor, que dá a vida pelas suas ovelhas."
Os pastores de Belém foram os primeiros a receberem a mensagem dos Anjos de
Deus. Ovelhas e cordeirinhos entravam na gruta silenciosos e aconchegavam-se junto
ao berço-manjedoura. Pareciam entender a missão daquele menino recém-nascido.
Permaneceram na gruta por muito tempo, olhando para o meu filho. Alguns
pastores ofereceram-nos alimentos, tecidos quentes e pelegos. O frio não nos
incomodava.
Lembro-me também de duas moças que me presentearam com os seus mantos. É fácil
lembrar o nome delas: Sedieluz, que havia chegado à gruta antes de nós e
descansava num local alto, ofereceu-me um manto azul e branco. Permaneceu
longo tempo conosco. Parecia um anjo, um querubim que entrava em sintonia
amorosa com o bebé.
A noite era bem fria. Nevou por algumas horas, mas estávamos bem aquecidos,
rodeados de animais e alguns visitantes. Ainda nevava, quando chegou uma moça
de rosto bem rosado e se apresentou: - O meu nome é Maria José. Soube que nasceu
uma criança muito especial. Senti que devia vir visitá-los. Maria José falava
baixinho e fazia-nos muitas perguntas. Conversava também com o bebé que,
mesmo sonolento sorria para ela.
Achei interessante a coincidência dos nossos nomes. Como eu me poderia esquecer
dela? Deu-nos de presente o manto que trazia. Usei-o por muitos anos.
Deixou a gruta prometendo voltar mais vezes para conversar e ajudar no que
fosse possível.
Sedieluz continuava lá, observando tudo. Parecia querer registar na sua mente
todos os detalhes e experiências daquela noite. Pela manhã despediu-se de nós e
saiu radiante, envolta no manto da aurora. Lembro-me dela com carinho e
saudade.
Soube que ela convidou muitas outras pessoas para passarem um tempo conosco,
para sentirem aquela noite. Muitos vieram, curiosos, alegres e trazendo
presentes. Todos diziam: "Queremos ver Jesus." Noutro dia chegaram
também três reis magos vindos do oriente. Disseram ter visto uma estrela,
comunicaram entre si e puseram-se a seguí-la até chegar a nós. "Nós
vimos a estrela e viemos adorar o menino que acaba de nascer", disseram
eles. Trouxeram presentes valiosos.
Passada a emoção daquela noite e dos primeiros dias, alguns retornaram para
agradecer a oportunidade do encontro com a Criança Divina. Todos mencionavam
ter recebido algum presente especial do meu filho. A vida daqueles que
procuravam Jesus ia se transformando.
Mais tarde, já crescido, saiu de casa para se encontrar com o povo...
Deixem-me sentir novamente toda a emoção daquela primeira noite em que segurei
nos braços o meu bebé lindo e sereno. Deixem-me sorrir e cantar para ele
dormir. Deixem-me olhar com ternura para os que continuam a vir a nós, pedindo:
"Queremos ver Jesus"! "Vimos a sua estrela e viemos
adorá-lo"!