Não menosprezemos o poder de um olhar, pois ele pode construir ou destruir
Recordo ainda o olhar sincero do meu pai, que sempre foi referência na minha vida. Muitas vezes, ele não precisava de dizer nada para me aprovar ou repreender, bastava um olhar e eu entendia tudo. Aliás, o meu pai era um homem de poucas palavras e poucos gestos, mas muito amor. Para compreendê-lo melhor, fui, desde cedo, treinada na arte de interpretar o seu olhar.
Dizem que “o olhar é a janela da alma”, uma expressão tanto repetitiva como verdadeira, pois os olhos transmitem o que se passa na essência, mesmo quando a boca diz o contrário.
As palavras têm a sua importância, mas, na arte de as transmitir, muitas vezes, diminuímos o sentido do que realmente desejamos expressar, acabamos por nos confundir com os termos e sentindo falta da expressão certa que traduza a linguagem do coração. Além disso, existe um espaço entre o que dizemos e o ouvido de quem nos escuta; aqui, nasce a interpretação, que nem sempre corresponde à realidade.
Uma história que nos ajudará a refletir sobre este dom precioso e na maneira como o utilizamos no dia a dia.
Conta-se que Raoul Follereau, jornalista francês que dedicou a sua vida ao cuidado dos leprosos, ao visitar um leprosário numa ilha do Pacífico, ficou surpreendido ao encontrar, entre os rostos desfigurados e quase sem vida, um homem que conservava os olhos límpidos, vivíssimos, e com um sorriso que a todos iluminava sempre que lhe diziam uma palavra amável ou lhe davam alguma coisa.
Ele quis saber o que mantinha este leproso tão agarrado à vida, e disseram-lhe que observasse o que lhe sucedia todas as manhãs. E o jornalista descobriu que, todos os dias, o homem descia para o pátio e sentava-se diante do alto muro que cercava o leprosário. Esperava ali, paciente, até que, no meio da manhã, aparecia, durante alguns segundos, por cima do muro, um rosto já idoso e cheio de rugas, que lhe sorria com um olhar de amor. Então, o homem comungava aquele sorriso e sorria também.
O leproso comentava: “Ao vê-la, sei que ainda estou vivo!”
O olhar amoroso da esposa era, de facto, suficiente para transfigurar aquele homem, dando-lhe esperança e vida.
É que um olhar de amor faz esquecer as dores e restaura o ânimo, tem uma poderosa força, pois é sinal visível do amor de Deus.
Um dia, quando os olhos d’Ele encontraram os de Zaqueu, o cobrador de impostos que estava em cima de uma árvore para O ver passar, o olhar do Senhor causou tanto efeito na vida daquele homem, que ele nunca mais foi o mesmo.
As palavras que vieram depois e até o convite para jantar em sua casa foram consequência do olhar com que Jesus o amou (Lc 19,1-10).
Interessante pensar que o olhar tem o poder de vivificar ou matar, depende de quem o transmite.
Jesus sabia disso e optava olhar com amor e assim transmitir vida nova a quem se deixava encontrar pelos Seus olhos. Seguindo os passos do Senhor, sejamos, hoje, portadores de um olhar de amor e façamos a diferença na vida daqueles cujos olhos se encontram com os nossos.