Jovens, compromisso, marginalização, educação, pobreza
A entrega aos outros com amor derruba todos os muros. Posso dizer que cresci dividido ao meio. Tinha duas escolas: a da minha família, que tentava educar-me para a paz e para o respeito pelo próximo. E a dos meus companheiros da escola e da rua, onde dominava a lei do mais forte.
Fora das aulas eram frequentes as batalhas com pedras entre dois bandos do bairro. Muitos dos meus companheiros os mais frágeis, e os que sentiam a falta de uma presença mais contínua e mais próxima da família, acabavam integrados nos bandos locais, onde as coisas se tornavam mais sérias e se começava a aprender a roubar.
Mais tarde, perto do fim do bacharelato, inscrevi-me na extrema-esquerda. Tentávamos dar uma solução aos problemas que nos afligiam a nós, os jovens. Durante aquele período, eu pensava que a única revolução possível era fazer mudar de ideias os que não pensavam como nós. Sentia-me arrastado por uma corrente juvenil que expressava o seu próprio desacordo. No entanto, notava dentro de mim que as denúncias gritadas pelo megafone não eram suficientes para resolver os problemas dos meus companheiros.
Havia já algum tempo que me tinha afastado da Igreja, embora pertencesse a uma família muito praticante, pelo que, quando uma rapariga me convidou a participar num grupo juvenil da paróquia, aceitei apenas por estar interessado nela.
Foi a primeira pessoa a quem ouvi falar de Deus de forma convincente: pertencia ao Movimento Gen. Deus amava-nos e convidava-nos a fazer o mesmo pelos outros, que viviam ao nosso lado. Contudo, o que mais me impressionou, foi o trabalho concreto que aqueles jovens faziam em favor dos mais pobres.
O primeiro encontro com uma daquelas famílias deixou-me desconcertado. A cena metia dó. O cheiro era insuportável. Um homem, que vivia paralisado na cama, com o único braço que tinha são ameaçava com uma faca a mulher e os cinco filhos. Nenhum dos filhos ia à escola. Andavam sempre ao cartão.
Também eu comecei a recolher papel velho, cartão, trapos e ferro com aquele grupo. Com aquilo que recolhemos começámos a arranjar a barraca. No entanto, o dinheiro que conseguíamos não bastava para cobrir as necessidades destes infelizes. Assim, para aumentar as entradas, comecei a trabalhar com outro amigo num cinema, vendendo bebidas, gelados e guloseimas.
O trabalho de todos tornou possível que, pouco a pouco, as coisas fossem mudando naquela família. Com a assistente social do bairro, conseguimos encontrar uma escola para as crianças, obter uma pensão de invalidez para o marido, e transmitir uma certa serenidade ao drama daquela família.
Sentia-me feliz. Por fim estava a ser útil a alguém. Entretanto, tinha começado a aproximar-me da fé. Voltei também a seguir o Evangelho, que aquela rapariga me tinha proposto, através de um comentário das Sagradas Escrituras, que variava de mês para mês.
Todas as noites — para surpresa dos meus — fechava-me no quarto a ler aquelas palavras que estavam a mudar a minha vida. Pareciam-me novas. Todas elas me incitavam a sair do meu egoísmo e a ir ao encontro dos outros. Sentia-me atraído, de forma especial, pelas pessoas mais necessitadas, pelos últimos, com quem Jesus se tinha identificado; e entre estes, com os jovens.
Comecei a pensar seriamente no meu futuro. Até que, no meio desta busca, me encontrei com um salesiano que me ensinou como podia pôr-me ao serviço dos outros. Compreendi que podia estar ao serviço das pessoas e, em particular, dos jovens, com o estilo de D. Bosco. Foi uma decisão que surpreendeu a todos, sobretudo à minha família.
A primeira experiência foi muito forte. Eu estava a terminar o bacharelato numa escola de um certo prestígio, frequentada sobretudo por jovens ricos. É de imaginar o sacrifício que isto me custava, visto que tinha optado por dedicar a minha vida aos jovens mais pobres. E agora tocava-me trabalhar ao lado daqueles que considerava «filhos do papá», que muitas vezes chegavam à escola com carros impressionantes.
A participação num Genfest foi o que acabou por me abrir o coração de par em par. Fez-me compreender que também aqueles jovens eram «pobres», embora não o fossem de bens materiais. Tinham necessidade de um amor desinteressado, também neles devia reconhecer Cristo.
Assim, da forma radical que o Evangelho requer, tentei aproveitar todas as ocasiões que me eram proporcionada e, em pouco tempo, apercebi-me que entre eles eu tinha sido derrubado o «muro» que nos separava.
Ernesto