Jovens com Valor
Da discoteca ao mosteiro de clausura
- 15-01-2009
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Testemunho de uma religiosa clarissa
Eu era uma menina que passava as noites nas discotecas.
Por isso Deus não era ninguém para mim. A questão religiosa estava adormecida em mim. Sentia-me bem. A coisa mudou quando, não sei como, me vi fazer parte dum grupo de meninas que semanalmente se reuniam no auditório do convento com uma irmã que falava e dialogava com elas de Deus, da sua própria vocação, enfim, de temas religiosos.
Estes encontros, sentadas todas ao redor duma pequena mesa, começaram a inquietar-me interiormente. Pouco a pouco me ia fazendo consciente de que algo estava a mudar dentro de mim, sentia-me diferente. Comecei a fazer-me perguntas que antes nunca havia feito. Sentia certa tensão. Aquilo começava a ser bastante confuso e os sentimentos apareciam muito contraditórios. Quando por fim pude dar nome a todo este “movimento” interior, chegou a decisão: mudar do auditório pelo claustro e da visita semanal pela permanência definitiva. Depois pude dar-me conta de que tudo aquilo, supôs uma experiência configuradora, que fez com que me enraizasse na convicção de que o Senhor me chamava à aventura de decidir a minha vida na contemplação.
Quando, depois de todos estes anos de vida no mosteiro, trato de partilhar o significado e o alcance da minha opção pela vida contemplativa clariana com as pessoas que me pedem, encontro-me com a dificuldade de não acertar a dizer o que quisesse, sempre fico com a impressão de ficar-me como na simplicidade da questão. Consola-me o facto de que nem o próprio evangelista João soube expressar o que sucedeu aquela tarde, à hora décima, depois de ser encontrado por Jesus junto com seu amigo André.
Pois bem, isso que João não pode explicar e que acontece num momento determinado da vida, da história pessoal, isso mesmo, mas de forma permanente, é a vida contemplativa: encontrar-se com Jesus, pelo que antes foste tu mesma encontrada, ir atrás dele, no mais simples e quotidiano da vida, aprofundando nele, reconhecendo Deus inclusive na rotina, na monotonia de todos os dias; contemplá-lo não só nos tempos que dedicamos exclusivamente à oração, mas na simplicidade do que vai acontecendo, no rosto das Irmãs, no trabalho, no estudo e na formação, na cruz das limitações. Tudo isto não é senão um processo que desemboca na vida teologal, ou seja, na experiência única de que Deus vai sendo mais Deus em ti e tu mais tu Nele.
Há uma maneira, ou melhor ainda, uma atitude existencial que contribui para conservar o nível de azeite com o qual a chama da lâmpada contemplativa pode nutrir-se e manter-se acesa.
- O silêncio, que em nenhum caso é ausência de linguagem e comunicação. Num clima de silêncio, a contemplativa ou o contemplativo percebe de maneira especial o lamento da Humanidade que grita o seu sofrimento, a sua angústia, o seu desfalecimento por causa das injustiças praticadas de mil maneiras pelos fortes, pelos poderosos. Na linguagem do silêncio, é capaz de dialogar com a única Palavra do amor de Deus permitindo assim que a sua vida seja somente um eco dela através do que faz, pensa, diz e sente.
- A solidão, que não pode ser confundida com uma atitude de isolamento ou de inibição. Trata-se da solidão habitada por Deus na qual, misteriosamente, estão presentes todos os homens e mulheres que, sem ter um rosto concreto, sem conhecer a sua dramática existência, estão aí, junto de ti e tu junto deles. Isso faz de ti consciente de que a solidão é uma graça que te possibilita estar espiritualmente próximo de quem geográfica, económica, étnica ou culturalmente está longe.
- A oração contemplativa, que, na peculiaridade de nosso carisma clariano, é um olhar a Cristo pobre e humilde que incendiou o coração de Clara de Assis, que o apaixonou de tal modo que já não quis senão seguir e imitar sua vida e pobreza e a de sua mãe. Olhá-lo como se olha um espelho para contemplar Nele a pobreza de Deus, o seu abaixamento, a sua condição indefesa, o seu opróbrio... por amor! Ao contemplar as suas feridas, a sua morte infamante, alguém se atreve a curar a ferida das Irmãs que foram dadas como um dom, se atreve a morrer por elas, a ser mais irmã. Olhando para Jesus se sente irmã de todos os homens e mulheres deste mundo e quer colaborar com Deus, desde o seu ser eclesial, servindo de apoio dos membros mais fracos que a formam. Olhar para Jesus Cristo sem mais alegria que o olhar e saber ser olhada pela maneira de uma mãe que não espera nada do menino pequeno que contempla enquanto dorme e que, precisamente porque não espera nada dele, é capaz de dá-lo todo, de dar-se inteira.
Deus fez-me um grande presente, fez-nos um grande presente para todas as contemplativas e contemplativos do mundo: Deus chamou-nos exclusivamente para permanecer com todos n’Ele.