Na Idade Média, os monges cistercienses exploravam a quase totalidade do
célebre vinhedo da Borgonha.
E com toda justiça, pois foram eles que desbravaram as terras e
plantaram as vinhas.
Pesados comboios saíam regularmente das vinícolas e adegas da região para irem
prover as abadias das cidades.
Numa jornada muito fria de dezembro, num desses comboios seguia para
Dijon.
Dois monges bem agasalhados conduziam as charretes, que a todo o momento
escorregavam sobre o gelo.
O destinatário da carga era o abade de São Benigno.
No frio iam os dois monges vinhateiros, sonhando com a acolhida calorosa que
lhes reservariam seus irmãos de Dijon.
Antes de partir, os dois não se tinham esquecido de colocar a viagem sob a
proteção de São Vicente, padroeiro dos vinicultores, e de Nossa Senhora do Bom
Caminho.
Mas naquele dia
tudo se passava como se as suas orações não tivessem sido ouvidas.
Faltando apenas uma meia hora para eles verem as portas de Dijon, o comboio foi
assaltado por uma dezena de homens de rosto patibular.
– “Nós também temos sede”, tentaram explicar. Mas suas intenções de se apoderar
da carga estavam perfeitamente claras.
Nas horas graves o temperamento de cada um revela-se. Um dos monges ajoelhou-se
e começou a implorar São Vicente.
O outro, louco de cólera diante da ideia de que essa bebida destinada a santos
irmãos fosse matar a sede sacrilegamente àqueles
bandidos, foi furando os tonéis.
Mais valia perder duas barricas de bom vinho do que deixá-las em mãos ímpias.
Mas as reações na aparência contraditórias de ambos se conjugaram de modo
feliz, pois enquanto o vinho começou a derramar-se dos tonéis furados, São
Vicente fez a temperatura cair a um nível tal que o vinho congelou
imediatamente.
Ao mesmo tempo, os tonéis viraram um bloco de gelo e o vinho derramado
transformou tonéis, charretes, rodas, e até a própria estrada, numa só peça de
gelo.
Os ladrões
aplicaram todas as suas forças para separar um elemento do outro, mas só
conseguiram rachar a pele das suas mãos.
Vendo baldados os seus esforços, desapareceram do mesmo jeito como tinham
aparecido.
Então a temperatura aqueceu de novo o suficiente para liberar as charretes, e o
comboio repartiu a toda velocidade. Os dois monges conduziram a carga ao seu
bom destino.
A narração desta aventura encheu o abade de admiração: São Vicente era sempre invocado
para afastar as ameaças da geada.
Mas, desta vez, mandou o gelo para salvar os bons monges e o seu vinho.
(Fonte: Sophie e Béatrix Leroy d’Harbonville, “Au
rendez-vous de la Légende Bourguignonne”, ed. S).