Espiritualidade
E se você tentasse a Lectio Divina?
- 10-02-2021
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A leitura oracional da santa Escritura é uma prática milenar na Igreja. É o método de meditação dos monges beneditinos. Descubramos esta maneira única de ouvir a voz do Espírito Santo
A Lectio Divina é, com a liturgia (missa e oração das horas)
e o estudo, um dos meios para provar e se nutrir da Palavra de Deus. “O
Evangelho é o Corpo de Cristo”, escreve o grande doutor da Bíblia, São Jerónimo
(345-420).
Nós comemos a carne e bebemos o sangue de Cristo no mistério
da Eucaristia, mas também na leitura das Escrituras.
E São João Paulo II dizia que “o primado da santidade e da
oração é concebível apenas a partir de uma renovada escuta da Palavra de Deus”.
O objectivo da Lectio Divina é aumentar a comunhão com Deus,
porque passamos a conhecê-lo melhor, visitando-o pessoalmente nas Escrituras,
onde ele se entrega.
A Lectio Divina é mais do que ler, mas envolve ler. Não é um
estudo muito intelectual, mas usa a inteligência. Requer fé, para que se possa
estabelecer um diálogo entre Deus e o homem, pois é ao Senhor que falamos
quando oramos.
Por onde começar?
Se estamos a dar os primeiros passos na nossa vida de oração,
é possível começar a ler o Novo Testamento, particularmente os Evangelhos.
Podemos escolher uma passagem do Evangelho da missa do dia ou
domingo que está por vir, ou mesmo fazer a leitura orante de um dos livros da
Bíblia.
Quando já tivermos mais experiência, podemos escolher um tema
e fazer uma leitura transversal. Por exemplo, procurar o que Jesus diz sobre o
baptismo ou o observar durante as refeições com os seus discípulos. Em seguida,
é possível comparar e confrontar diferentes passagens do Antigo e do Novo
Testamento.
É útil usar sempre a mesma Bíblia para poder circular e
marcar as passagens ao passo que nos familiarizamos. Isto nos permitirá também
voltar às nossas passagens preferidas nos dias de secura espiritual.
Antes de começar, é bom lembrar que a Lectio Divina é
pessoal, mas não individual, é feita na Igreja, banhada pela Tradição.
Como praticar a Lectio Divina?
Nas diferentes práticas, o procedimento permanece o mesmo.
Guigues II le Chartreux resume assim: “Procure ler e encontrará meditando; peça
orando e a porta se abrirá na contemplação”.
Ele vê quatro etapas sucessivas, como degraus de uma escada
pela qual o homem sobe e desce entre a Terra e o Céu: leitura, meditação,
oração e contemplação. Vamos lá!
1. Invocar o Espírito Santo
Jesus prometeu e o Espírito Santo nos conduzirá em todas as
coisas. A nossa cooperação é o nosso esforço para ler, mas é o Espírito Santo
que faz das Escrituras uma palavra viva.
Podemos orar assim: “Vem, Espírito Santo, pai dos pobres,
abre e ilumina o meu coração e a minha inteligência!”
Abrir as Escrituras e lê-las, de acordo com São Jerónimo, é
deixar que o Espírito Santo nos conduza, sem saber de que margem nos
aproximaremos.
2. Ler sem pressa
Lemos o texto escolhido como se fosse a primeira vez, de
maneira simples e humilde, ignorando tudo o que possamos já saber sobre ele,
tudo o que lemos ou ouvimos como comentários. Caso contrário, é também possível
ler a passagem seleccionada em voz alta ou copiá-la lentamente.
3. Interessar-se pelo contexto
O que aconteceu pouco antes? Onde está a acontecer a cena?
Jesus está sozinho com uma pessoa ou está na companhia dos discípulos ou de uma
multidão? Em que hora do dia isto está a acontecer? Em que época do ano?
Durante uma festa litúrgica? Se sim, qual? O que é que isto significa para
Israel?
Também devemos prestar atenção no contexto, nos objectos em
palco, etc. Por exemplo: os seis jarros do casamento de Caná (João 2, 1-11)
contêm 80 a 120 litros cada, não são pequenos jarros!
Ou, quando Jesus encontra a mulher samaritana perto de um
poço (João 4, 1-42), percebe que num país quente, um poço é uma riqueza, um
ponto de encontro, mas também que o serviço de retirar a água é penoso.
Finalmente, não podemos colocar um significado espiritual no
texto e esquecer o significado literal. Por exemplo, quando Jesus fala de “uma
fonte de água jorrando para a vida eterna” (João 4:14). Faça aqui algumas
perguntas: o que é uma fonte de água? E de águas vivas? Será que a água é
vital?
4. Interessar-se pelas palavras, pelos gestos, e pelo
silêncio
É necessário estudar não apenas as palavras, mas também os
gestos e os silêncios dos personagens, começando pelos de Jesus. Para quem se
adereçam? Quais são os sentimentos dos protagonistas?
Você também não deve hesitar em se deixar ser atingido por
gestos ou palavras chocantes ou aparentemente contraditórias. Exemplos: “Ao que
te ferir numa face, oferece-lhe também a outra.” (Lucas 6, 29); ou o pastor que
deixou 99 ovelhas para procurar uma (Lucas 15: 4-7). E aí, uma passagem
conhecida pode tornar-se nova!
5. Meditar e contemplar como a Virgem Maria
“Maria conservava
todas estas palavras, meditando-as no seu coração.” (Lucas 2:19). Releiamos o
texto à luz da Palavra, porque tudo o que Jesus diz e faz é revelação e dom da sua
pessoa e, portanto, do Pai e do Espírito Santo. Tentemos contemplar a Trindade
descoberta através deste texto.
Mas também meditemos sobre o que este texto deseja iluminar
de forma pessoal, na nossa vida e o nosso relacionamento com Deus. Devemos perguntar-nos:
o que é que Deus me está a dizer hoje? E não: o que Deus diz aos homens em
geral e em termos absolutos?
Porque “todo aquele que vem a mim ouve as minhas palavras e
as pratica, eu vos mostrarei a quem é semelhante. É semelhante ao homem que,
edificando uma casa, cavou bem fundo e pôs os alicerces sobre a rocha. As águas
transbordaram, precipitaram-se as torrentes contra aquela casa e não a puderam
abalar, porque ela estava bem construída.” (Lucas 6, 47-48).
Por encontrar Deus nas Escrituras, acabamos por agir de
acordo com a Sua palavra que nos molda.
6. Para terminar, a oração
Dom Chautard chamou à Lectio “provedora de oração”. Para
terminá-la, podemos invocar o Espírito Santo e deixar surgir a oração de
adoração, de súplica ou de acção de graças que ele despertar.
7. Guardar a oração no nosso coração
A Lectio Divina leva-nos a lembrar de Deus pois “ruminamos” as
suas palavras no nosso coração: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra e
meu Pai o amará, e nós viremos a ele e nele faremos a nossa morada.” (João 14,
23). E então, escrever uma passagem no nosso caderno, ou mesmo uma palavra que
falou ao nosso interior pode nos ajudar. Memorizá-la ou copiá-la lentamente, ou
até compartilhar a Palavra com alguém (sem comentar).
Não devemos desanimar com a aparente secura ou desamparo da
Lectio e ousar ficar com uma pergunta, com palavras contraditórias ou
chocantes, e deixá-las passar sem compreender. O principal é reservar um tempo
com Jesus. A oração será nutrida por todas as expectativas que a Palavra de
Deus terá gravado em nós.