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Curiosidades

O convertido Fosse ganha o Prémio Nobel de Literatura: do álcool ao misticismo... e "ao poder da graça"

O escritor norueguês Jon Olav Fosse foi distinguido em 5 de Outubro, com o Prémio Nobel da Literatura 2023, "pela sua prosa inovadora e por dar voz ao que não pode ser dito".

Nasceu em 1959 no pequeno município de Haugesund, na costa oeste da Noruega. Fosse cresceu na bela Strandebarm, às margens do fiorde, onde passaria a infância de bicicleta e preso ao seu inseparável violão. Desde criança insinuava uma alma artística e rebelde. Aos onze anos, usava o cabelo tão comprido que nenhum vizinho se lembrava de algo parecido.

O pai trabalhava como director numa cooperativa e a mãe era dona de casa. Em Strandebarm viveu anos muito felizes, mas Jon nunca teve nostalgia da sua aldeia, aliás, sempre se importou mais com a "costa oeste da Noruega" que estava lá dentro. Na verdade, o personagem principal da Septologia, sua obra-prima, sente e observa as ondas. "Olho para as minhas próprias ondas interiores do coração da Europa", diz o protagonista.

Fosse foi crescendo e estava cada vez mais interessado no mundo das letras, matriculou-se na Universidade de Bergen, onde estudou literatura comparada, e tornou-se anos mais tarde um dos grandes escritores noruegueses de sempre. Nos últimos quarenta anos de vida escreveu romances, poemas, peças de teatro, livros infantis, ensaios... e a sua obra foi traduzida em mais de cinquenta idiomas.

Desde a sua estreia, em 1983, com o Rubro-Negro, recebeu inúmeros prémios, tanto na Noruega natal como no exterior. Um exemplo é a Ordem Nacional do Mérito da França ou mesmo a lendária Grotten, uma residência honorária localizada nos jardins do Palácio Real, em Oslo. Além disso, o Daily Telegraph ncluiu-o na sua lista de génios vivos de 2007.

Quando completou cinquenta anos, Jon Fosse estava exausto. Tinha escrito peças num ritmo incrível durante muitos anos. Escreveu duas peças no mesmo verão. Como não gostava de ser o centro das atenções, tomou a decisão de se aposentar. Não queria viajar mais ou escrever, pelo menos por enquanto.

Aposentado em Hainburg an der Donau, uma pequena cidade perto de Viena, Fosse sempre foi muito atraído pela Áustria, um país de profundas tradições e um lugar onde a música clássica, o teatro e a fé católica ainda são muito fortes.

"Uma das vantagens de morar em Hainburg é que só tenho contacto com a minha família mais próxima. Vou à missa e faço as compras uma vez por semana. É tranquilo e pacífico. Vou para a cama às nove e levanto-me às quatro ou cinco da manhã", explica o escritor.

No entanto, a vida de Fosse nem sempre foi tão idílica como agora. Durante muito tempo bebeu demais. Embora nunca o tenha feito quando escreveu, já que precisava de estar sóbrio para dar a sua melhor versão. Bebia para combater a ansiedade. O álcool passou a dominá-lo completamente e ele precisava de beber para se sentir "normal".

Na primavera de 2012, Fosse bebeu sem parar durante dois meses seguidos, até desmaiar. Em um e-mail, ele escreveu: "Tomei a decisão de parar de beber". Sofria de delírios graves e estava bastante indisposto. Aquele ano marcaria um ponto de viragem na vida de Fosse. Além de deixar o álcool, converteu-se ao catolicismo e casou-se com Ana (tem seis filhos). "Assumi e mudei o rumo do navio", diz em entrevista.

A sua grande obra é Septologia - cujos dois volumes foram finalistas do International Booker em 2020 e 2022-. Nele, Fosse é a favor de capturar um misticismo da vida comum. "Tudo o que escrevi pode ser considerado uma espécie de 'realismo místico'. A septologia, especificamente, é um realismo tão claramente místico que tem referências reais e componentes ensaísticos, está completamente ligado à forma como o narrador do romance pensa", diz este admirador declarado de Federico García Lorca.

Septologia é um romance de sete volumes que exemplifica o que Fosse descreveu como a sua viragem para a "prosa lenta". O narrador é um pintor chamado Asle, um convertido ao catolicismo que lamenta a morte da sua esposa. Na noite anterior à véspera de Natal, Asle encontra o seu amigo inconsciente a morrer de álcool num beco.

"Era importante para mim não morrer antes de terminar este trabalho. Pode parecer loucura, mas eu tinha medo de não chegar à linha de chegada. Todos nós vamos desaparecer e eu tinha medo que a minha saúde e força não aguentassem mais. Afinal, vivi o que vivi", diz Fosse sobre os seus problemas com álcool.

A história da sua conversão

A vida do seu personagem Asle é muito semelhante à do próprio Fosse, que se converteu ao catolicismo em 2012. "Tive uma espécie de viragem religiosa na minha vida que tinha a ver com pisar no desconhecido. Eu era ateu, mas não conseguia explicar o que acontecia quando escrevia. Tu sempre podes explicar o cérebro de uma forma científica, mas não consegues entender o que é essa luz ou espírito", diz ele.

Asle, o seu personagem, pensa algo muito parecido com o que Fosse pensa sobre Deus: "Decidi fazer o personagem principal parecer-se comigo, por exemplo, na ideia de que Deus é tão próximo que tu não podes experimentá-lo e tão distante que tu não podes pensar nele".

No entanto, a ideia de Deus de Fosse é mais um encontro do que uma crença. "Se tu és um verdadeiro crente, não acreditas apenas em dogmas ou instituições. Se Deus é uma realidade, crê noutro nível. Isto não significa que dogmas e instituições religiosas não sejam necessários. Se o mistério da fé sobreviveu durante dois mil anos, é graças à Igreja se tornar uma instituição", explica.

A graça para Fosse também é um elemento importante. "Quando consigo escrever algo, vejo como um grande presente, como uma espécie de graça. Mesmo quando faço uma produção de um dos meus trabalhos que exige muito trabalho; que os actores aprendam o texto, montem o cenário... Consegui muita gente para fazer muita coisa, e eu não mereço. É mais do que mereço", reconhece.

"Saber escrever e escrever bem, isto é graça. Acho que talvez a própria vida possa ser uma espécie de graça. Embora eu às vezes entenda as pessoas que desejam deixar esta vida, é um lugar horrível em muitas ocasiões.

Para Fosse, o que acontece é que muitos destes conceitos transcendentes são paradoxais. "Este mundo caído é uma espécie de dádiva, mas depois tudo se torna demasiado paradoxal. Às vezes sinto-me tão cheio de contradições que não sei como consigo manter-me unido, ser um. Tenho a certeza que Deus está presente o tempo todo, mesmo que às vezes eu não sinta", diz o escritor.

Se havia um católico importante na vida de Fosse era o teólogo dominicano medieval Eckhart. "Comecei a ler Meister Eckhart em meados dos anos 1980. Foi uma óptima experiência. Li muito depois de terminar a faculdade, juntamente com Martin Heidegger. Sentia-me como Heidegger, mas de uma forma muito mais profunda. Eckhart é o escritor que mais me influenciou".

"Comecei a acreditar em Deus, mas, como Eckhart, não tinha dogmas, senti a necessidade de partilhar esta forma de acreditar com outra pessoa, então fui para os Quakers, mas depois deixei de ir. Durante anos fui um simples escritor e não tinha com quem partilhar as minhas crenças. Em meados dos anos 80 fui à missa a uma igreja católica em Bjørgvin e gostei, a ponto de começar a frequentar um curso para me tornar católico. Anos depois, decidi entrar na Igreja Católica. Eu não poderia ter feito isto se não fosse o Mestre Eckhart e o seu jeito de ser católico e místico ao mesmo tempo", diz.

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