Beato João Paulo II
João Paulo II: Sofrimento, caminho de "libertação interior"
- 29-04-2011
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João Paulo II: Sofrimento, caminho de «libertação interior»
Meditação no Salmo 40, «oração de um enfermo»
Feliz o que cuida do pobre e desvalido;
no dia da desgraça o Senhor o colocará a salvo.
O Senhor guarda-o e conserva-o em vida,
para que seja feliz na terra,
e não o entrega à sorte de seus inimigos.
O Senhor o sustentará no leito de dor,
aliviará as dores de sua enfermidade.
Eu disse: «Senhor, tem misericórdia,
cura-me, porque pequei contra ti».
Meus inimigos me desejam o pior:
«a ver se morre e se acaba seu nome».
Quem vem visitar-me fala com fingimento,
dissimula sua má intenção,
e, quando sai, fala mal.
Meus adversários se reúnem a murmurar contra mim,
fazem cálculos sinistros:
«Padecem de um mal sem remédio,
deitaram-se para não se levantar».
Inclusive meu amigo, em quem eu confiava,
que compartilhava meu pão,
é o primeiro em trair-me.
Mas Tu, Senhor, compadece de mim,
faz que possa levantar-me
para que eu lhes possa retribuir.
Nisto conheço que me amas:
em que meu inimigo não triunfa sobre mim.
A mim, ao contrário, conservas-me a saúde,
Manténs-me sempre em tua presença.
Bendito o Senhor, Deus de Israel,
agora e para sempre. Amém, amém.
1. Um dos motivos que nos leva a compreender e a amar o Salmo 40, que acabamos de escutar, é o fato de que o próprio Jesus o citou: «não me refiro a todos vós, eu conheço os que elegi; mas tem de cumprir-se a Escritura: Quem come meu pão levantou contra mim seu calcanhar» (João 13, 18).
É a última noite de sua vida terrena e Jesus, no Cenáculo, está a ponto de oferecer a porção de alimento do hóspede a Judas, o traidor. Seu pensamento dirige-se a esta frase do Salmo, que na realidade é a súplica de um homem enfermo abandonado por seus amigos. Naquela antiga oração, Cristo encontra sentimentos e palavras para expressar sua profunda tristeza.
Trataremos de seguir e iluminar agora toda as ideias deste Salmo, posto nos lábios de uma pessoa que certamente sofre por sua enfermidade, mas que, sobretudo, sofre pela cruel ironia de seus «inimigos» (Cf. Salmo 40, 6-9) e inclusive pela traição de um «amigo» (Cf. versículo 10).
2. O Salmo 40 começa com uma bem-aventurança. Tem por destinatário o autêntico amigo, «o que cuida do pobre e desvalido»: será recompensado pelo Senhor no dia do sofrimento, quando for ele quem se encontre «no leito da dor» (Cf. versículo 2-4).
Contudo, o coração da súplica encontra-se na passagem sucessiva, onde o enfermo toma a palavra (Cf. versículos 5-10). Começa seu discurso pedindo perdão a Deus, segundo a tradicional concepção do Antigo Testamento que a toda dor deve corresponder uma culpa: «Senhor, tem misericórdia, cura-me, porque pequei contra ti» (versículo 5; Cf Salmo 37). Para o antigo judeu a enfermidade era um chamado à consciência para empreender uma conversão.
Se bem que se trata de uma visão superada por Cristo, Revelador definitivo (Cf. João 9, 1-3), o sofrimento em si mesmo pode esconder um valor secreto e converter-se em um caminho de purificação, de libertação interior, de enriquecimento da alma. Convida a vencer a superficialidade, a vaidade, o egoísmo e o pecado, e a pôr-se mais intensamente nas mãos de Deus e de sua vontade salvadora.
3. Neste momento, entram em cena os malvados, que não vieram visitar o enfermo para consolar-lhe, mas para atacar-lhe (Cf. versículos 6-9). Suas palavras são duras e golpeiam o coração de quem ora, que experimenta uma maldade que não conhece piedade. Realizarão a mesma experiência muitos pobres humilhados, condenados a estar só e a sentir-se um peso para os seus mesmos familiares. E se em certas ocasiões recebem uma palavra de consolo, percebem imediatamente um tom falso e hipócrita.
E mais, como dizíamos, quem ora experimenta a indiferença e a dureza inclusive por parte dos amigos (Cf. v 10), q se transformam em figuras hostis e odiosas. O salmista lhes aplica o gesto de «levantar o calcanhar», ato ameaçador de quem está a ponto de pisotear o adversário.
A amargura é profunda quando quem nos golpeia é o «amigo» em quem se confiava, chamado literalmente em hebreu «o homem da paz». Recorda aos amigos de Jó que de companheiros de vida se convertem em presenças indiferentes e hostis (Cf. Jó 19, 1-6). Em nosso orante ressoa a voz de uma multidão de pessoas esquecidas e humilhadas em sua enfermidade e debilidade, inclusive por parte dos q deveriam apoiá-las.
4. A oração do Salmo 40 não se conclui, contudo, com este sombrio final. O orante está convencido de que Deus surgirá em seu horizonte, revelando uma vez mais seu amor. Oferecerá o apoio e tomará entre seus braços o enfermo, que voltará a estar na «presença» de seu Senhor (versículo 13), ou seja, seguindo a linguagem bíblica, voltará a reviver a experiência da liturgia no templo.
O Salmo, marcado pela dor, conclui, portanto, com um raio de luz e de esperança. Nesta perspectiva, compreende-se o comentário de Santo Ambrósio à bem-aventurança inicial (Cf. versículo 2), no qual percebe profeticamente um convite a meditar na paixão salvadora de Cristo, que leva à ressurreição. O Padre da Igreja recomenda a leitura do Salmo: «Bem-aventurado quem pensa na miséria e na pobreza de Cristo que, sendo rico, fez-se pobre por nós. Rico em seu Reino, pobre na carne, pois carregou sobre si esta carne de pobres não padeceu, portanto, em sua riqueza, mas em nossa pobreza. E por isso, não padeceu a plenitude da divindade, mas a carne. Trata de aprofundar, portanto, no sentido da pobreza de Cristo, se quiseres ser rico! Trata de aprofundar no sentido de sua fraqueza, se quiseres alcançar a salvação! Trata de penetrar no sentido de sua cruz, se não quiseres envergonhar-te dela; no sentido de sua ferida, se quiseres curar as tuas; no sentido de sua morte, se quiseres alcançar a vida eterna; no sentido de sua sepultura, se quiseres encontrar ressurreição»