PARA REFLEXÃO DAS FAMÍLIAS
Estamos no Ano Sacerdotal - ano de oração pela santificação dos sacerdotes; ano para pedir ao Senhor que envie operários para a sua messe; ano para os próprios padres procurarem, com renovada disposição, os caminhos da santidade.
Os seminaristas e os padres nasceram numa família e nela passaram importantes anos da sua formação. Como diz o Concílio Vaticano II, “As famílias, animadas pelo espírito de fé, de caridade e piedade, são como que o primeiro seminário” (OT 2). Não é possível, pois, falar em vocações sacerdotais sem fazer uma referência imediata à família.
Convidamos os pais a abrir o Evangelho de Mateus, para recordar como foi o chamamento dos primeiros discípulos de Jesus:
“Caminhando à beira do mar da Galileia, Jesus viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André. Estavam a atirar as redes ao mar, pois eram pescadores. Jesus disse-lhes: 'Segui-me, e eu farei de vós pescadores de homens´. Eles, imediatamente, deixaram as redes e seguiram-nO. Prosseguindo, viu outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João. Estavam no barco, com seu pai Zebedeu, a consertar as redes. E chamou-os. Deixando imediatamente o barco e o pai, eles seguiram-nO.” (Mateus 4,18-22).
Jesus passa sempre pelos caminhos dos homens. Por onde passa lança o seu convite. Ao chamar os seus primeiros discípulos, Jesus não lhes deu garantias de um futuro feliz nem lhes assegurou uma vida sem problemas. E, no entanto, tocados pelo seu olhar e pela firmeza do seu convite, Simão, André, Tiago e João seguiram-nO imediatamente.
Dêmos atenção a Zebedeu, o pai de Tiago e João. Vendo os seus filhos partirem, assim de repente, o que teria ele pensado? Que perguntas se multiplicaram no seu coração? (Talvez: E agora, como vou pescar sem eles? O que farão? O que lhes acontecerá? E as saudades que vão deixar?). Imaginemos a cena que se seguiu: dominado pela surpresa, Zebedeu foi para casa, sabendo que teria uma difícil missão pela frente: explicar à sua esposa o que tinha acontecido com os filhos. Deve ter-lhe falado mais ou menos assim: Os nossos dois filhos estavam a ajudar-me a consertar as redes; passou por ali Jesus de Nazaré, convidou-os a segui-lo, afirmando que agora eles seriam pescadores de homens. Pois não é que imediatamente eles deixaram as redes de lado, deixaram-me a mim e seguiram-nO?...
Zebedeu e a sua esposa teriam entendido a vocação dos filhos? Naquela hora, certamente não! Mas a partir daí passaram a interessar-se por tudo o que se falava de Jesus e devem até tê-lo acompanhado.
Um dia, inclusive, a mãe de Tiago e João, ou, como a denomina o evangelista Mateus, “a mãe dos filhos de Zebedeu” (Mt 20,20), com a ousadia e a ingenuidade próprias das mães quando defendem os seus filhos, foi com eles ao encontro de Jesus e prostrou-se para lhe fazer um pedido. Jesus perguntou-lhe: 'O que queres?' Foi a oportunidade que ela esperava para pedir a Jesus que os seus filhos ocupassem um lugar de honra no Reino do qual ele tanto falava. Foi, também, a oportunidade para Jesus lhe dar e aos seus discípulos dois importantes ensinamentos. O primeiro: participar do seu Reino significava sofrer com ele. O segundo ensinamento: para ser o maior nesse Reino seria preciso servir melhor os outros, “pois o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos” (Mt 20, 28). Ela entendeu; tanto assim que, por ocasião da morte do Senhor, estava com a Mãe de Jesus e outras mulheres no alto do Calvário.
Os pais querem o melhor para os seus filhos. Se pudessem, tirariam todas as pedras dos seus caminhos. Os pais de Tiago e João não deviam pensar diferente. Quando, porém, entenderam que o mais importante não era eles realizarem os seus sonhos, mas os sonhos de Deus, tudo mudou. Porque colaboraram com a obra de Jesus, deram aos seus filhos as condições necessárias para responderem, com generosidade, à vocação que haviam recebido.
Podemos tirar 5 lições destes factos:
1ª Lição: quando se trata dos filhos, a pergunta mais importante que os pais podem e devem fazer, é: O que é que Deus pensa a respeito deles? Isto é: o que Ele sonha para eles? Quais os planos que tem para eles? Afinal, por que e para que os criou?...
2ª Lição: Jesus Cristo, enviado pelo Pai para apresentar o Reino de Deus a todos, continua a passar pelos caminhos dos homens, convidando alguns a segui-lo. Se Jesus chamar o teu filho para o sacerdócio, qual a tua reacção e resposta?
3ª Lição: Não basta esperar que Jesus chame; os pais têm um importante papel na vocação sacerdotal dos seus filhos. Sem a sua colaboração directa, com orações, com a entrega dos seus filhos a Deus, com a preocupação de criarem um clima vocacional nos seus lares, Jesus poderá até chamar um jovem para o seguir; contudo, facilmente ele procurará desculpas para continuar a consertar as redes – isto é, para continuar fechado no seu mundo e nos seus próprios planos. Como criar no seu lar um ambiente em que o convite de Jesus possa ser ouvido e respondido?
4ª Lição: A vocação sacerdotal é fruto de oração. Jesus ordenou: “Pedi ao Senhor da colheita que envie trabalhadores para a sua messe” (Mt 9,38). Na tua família, reza-se pelas vocações?
5ª Lição: A vocação sacerdotal é um dom para a família, para a Igreja e o mundo. Nem todas as famílias recebem este dom. Pode-se, contudo, além de rezar pelas vocações, “adoptar” um padre, rezando pela sua santificação e pelo seu ministério. A tua família está disposta a fazer tal adopção?
A INSTITUIÇÃO DO SACERDÓCIO
O sacramento da Ordem é dado em três graus:
- o do bispo, que recebe a plenitude do sacerdócio e do serviço;
- o do presbítero ou padre, que recebe o ministério do sacerdócio para oferecer o sacrifício de Cristo com o povo e em nome do povo;
- o do diácono, que recebe o ministério do serviço, da caridade cristã, do atendimento aos pobres.
Os sacramentos são sinais visíveis e eficazes da graça de Deus em favor de nossa salvação. Na Ordem, o sinal da graça de Deus é uma pessoa, escolhida por Deus para fazer as vezes de Cristo e estar à frente da comunidade, para administrar ao povo os dons da salvação.
Na Ordem, o sacramento-sinal de Deus é o bispo, o padre ou diácono, na sua humanidade concreta, com os seus limites e pecados. Uma comparação: mesmo que uma placa de trânsito estivesse suja, mal pintada ou apoiada numa haste podre, continua a sendo um sinal de trânsito; interessa o sinal, não o material; como sinal ela deve ser obedecida – sob pena de multa ou acidente – ainda que o seu material seja um simples pau de madeira podre ou uma placa enferrujada. É claro que quanto mais cuidada ela for, melhor!
Um padre, na sua humanidade concreta, nos seus limites e pecados, representa o amor de Cristo pelo povo. É claro que quanto mais santo, melhor! Mas o próprio Deus não pôs a santidade do ministro como condição para fazer acontecer o seu mistério, a sua graça. Se assim fosse, que medida usaríamos para saber quem poderia ou não ser ordenado? É claro que, sendo um dom de Deus para a Igreja, esta tem o direito, exercido através do bispo diocesano e do seu presbitério, de preparar, acompanhar e qualificar a pessoa chamada e, por fim, discernir sobre a sua ordenação.
Não há eucaristia sem sacerdócio
Os sacramentos foram instituídos directa ou indirectamente por Jesus Cristo. O sacramento da Ordem foi instituído juntamente com o da Eucaristia. Por isso, não há Eucaristia sem sacerdote, sem ministro ordenado; não há sacerdócio sem Eucaristia. O ministro que é ordenado para a Eucaristia é precipuamente o presbítero. A ele cabe a presidência eucarística da comunidade. Por isso estes dois sacramentos – Eucaristia e Ordem – se implicam mutuamente. Quando Jesus disse “Tomai e comei, tomai e bebei”, disse também “Fazei isto em memória de mim” (Lc 22,19-20).
No sacramento da Eucaristia, o sinal visível e eficaz da graça salvífica de Deus é a comida e a bebida: pão da vida e cálice da salvação. No sacramento da Ordem, este sinal é uma pessoa, um homem escolhido e chamado por Deus, e ordenado pela Igreja, para fazer as vezes de Cristo, para ser um outro Cristo.
Por isso, o sacramento da Ordem foi instituído por Jesus Cristo, na quinta-feira santa, com a Eucaristia, para dar continuidade à celebração da Eucaristia, que é o sacrifício da Nova Aliança, o sacramento de comunhão, o banquete da assembleia, a festa da acção de graças, para a firmeza na fé e a santificação do povo de Deus.
Não há sacerdócio sem eucaristia
Quando o padre diz “Tomai e comei, tomai e bebei”, ao mesmo tempo em que serve de instrumento para a palavra e acção de Cristo, ele mesmo é quem está oferecendo-se como comida e bebida para o seu povo. Ele dá o Cristo, dando-se a si mesmo. Na Igreja doméstica o pai e a mãe, sacerdotes da família, chamam os filhos à mesa e dizem “tomai e comei, isto é o que eu tenho a oferecer a vocês hoje, é o fruto do meu trabalho, do meu suor, é o meu corpo e o meu sangue, que entrego para o alimento de vocês”. E o que eles entregam aos filhos é ao mesmo tempo fruto de seu trabalho e da bondade de Deus criador.
Na comunidade eclesial, o padre diz “tomai e comei, tomai e bebei, isto é o Corpo e o Sangue de Cristo”. Mas ao dizer isto, ele está a dizer também “tomai e comei, esta a minha obra, a minha missão, é o meu ser e o meu agir, o sentido da minha vida: dar-lhes Cristo”.
A palavra sacerdote carrega o sentido de “dom sagrado”, “dote sagrado”. Assim, o presbítero é um dom sagrado de Deus ao seu povo. Em virtude da ordenação, ele passa a ser exclusiva propriedade do Senhor, sendo “segregado para anunciar o Evangelho de Deus” (Rm 1,1). Separado, não para se distanciar do povo, mas para ser configurado a Cristo, Esposo, Pastor e Servo da Igreja; portanto, para ser um servidor da Igreja.
O carácter sagrado e sacramental da ordenação atinge o presbítero em tal profundidade que orienta todo o seu ser e o seu agir, de modo que sacerdotiza tudo o que vive e tudo o que faz.
O seu mistério e seu ministério ficam marcados por esse elo que existe entre o Cristo e a Igreja. Por isso, ele é, por excelência, o liturgo da comunidade, que ele reúne para o momento mais alto e importante da sua existência, a celebração litúrgica. A sacerdotalidade litúrgica é parte integrante da identidade presbiteral.
Homem sacerdotizado e eucaristizado
O papa João Paulo II disse: “Mesmo quando realiza acções de ordem temporal, o sacerdote é sempre o ministro de Deus. Nele, tudo, mesmo o profano, deve tornar-se sacerdotizado, como em Jesus, que sempre foi sacerdote, sempre agiu como sacerdote, em todas as manifestações da sua vida”.
Poderíamos acrescentar: tudo nele se deve tornar eucaristizado, marcado pela dimensão da entrega e do sacrifício.
Somos convidados a orar pelos presbíteros, a fim de que os padres celebrem a Santa Missa com profunda fé e santidade, de modo a serem instrumento de Cristo para levar todos os participantes a mergulhar nesse mistério de salvação.
O povo deseja que os sacerdotes sejam homens de Deus
Mensagem do prefeito da Congregação para o Clero, cardeal Cláudio Hummes.
Caros irmãos no sacerdócio,
“Fidelidade de Cristo, fidelidade do Sacerdote!”. O Papa Bento XVI deseja que este ano especial seja um tempo de profunda renovação interior dos sacerdotes. Por esta razão, propõe São João Maria Vianney como modelo de vida sacerdotal, um exemplo antigo, mas com uma mensagem de vida e santidade sacerdotal que são perenes e actuais.
A Cura d’Ars dizia que “um bom pastor, um pastor segundo o coração de Deus é o maior tesouro que o Bom Deus possa dar a uma paróquia e uma das dádivas mais preciosas da misericórdia divina”. Ser pastor segundo o coração de Deus, eis o grande desafio para os sacerdotes de todos os tempos, eis o maior tesouro que o nosso Pai poderia oferecer aos fiéis das nossas comunidades.
O sacerdote será Bom Pastor na medida em que, através do exercício quotidiano do seu ministério, se dedicar integralmente a Cristo e, por Ele, com Ele e Nele, aos irmãos, em total fidelidade, sempre a exemplo do mesmo Senhor. Por esta razão, o apelo à fidelidade quer recordar a cada um de nós, o feliz dever de renovar os compromissos assumidos no dia da nossa Ordenação, de sermos, de facto, homens pobres, castos, obedientes, fiéis anunciadores do Evangelho, a todos sem excepção, em espírito de verdadeira comunhão eclesial.
O povo em geral, sedento de Deus, deseja vivamente que os sacerdotes sejam homens de Deus. Mas o sacerdote não se tornará “homem de Deus” se não for “homem de oração”. Assim sendo, na vida do sacerdote a oração e a intimidade com Deus são essenciais e insubstituíveis. A oração na vida do presbítero ou ocupa um lugar central, ou será um belo ideal, distante de ser concretizado.
O Papa Bento XVI afirma que “ser sacerdote significa ser homem de oração”. Se o trabalho pastoral não for precedido e acompanhado pela oração, perderá o seu valor e a sua eficácia. O tempo que empregamos no cultivo da amizade com Cristo, na oração pessoal e litúrgica – concretamente na dedicação de um tempo determinado e quotidiano à meditação e na fiel recitação da Liturgia das Horas –, é um tempo de actividade autenticamente pastoral. Por isso, o sacerdote deve ser, sempre, um homem de oração. Não nos iludamos: se falta a oração pessoal na vida do presbítero, a sua acção pastoral será estéril e correrá o risco de perder de vista o “primeiro Amor”, ao qual entregou incondicionalmente a sua vida, naquele dia memorável e cheio de generosidade, o dia da sua ordenação sacerdotal. Em referência à programação para o Ano Sacerdotal, gostaríamos de vos lembrar o Encontro Internacional de Sacerdotes, com o Santo Padre, em Roma, nos dias 9, 10 e 11 de Junho do ano corrente, por ocasião do encerramento deste tempo de graça. Queremos fazer deste encontro um marcante gesto de comunhão eclesial, com a presença de sacerdotes das várias nações do mundo, junto do Sucessor de Pedro. Todos são convidados a participar deste evento.
Caros irmãos, gostaríamos de vos exortar, com palavras de São Paulo: “Estai sempre alegres. Orai continuamente. Em todas as circunstâncias, dai graças, porque esta é a vontade de Deus, em Cristo Jesus, a vosso respeito (...) Que o próprio Deus da paz vos santifique inteiramente, e que todo o vosso ser – o espírito, a alma e o corpo – seja guardado irrepreensível para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo!” (1 Tess. 5, 16‐18.23s).
Continuai a viver o Ano Sacerdotal: sempre alegres, porque grande é o dom da vossa vocação e urgente um novo ardor missionário, a fazer‐se presente no coração sacerdotal de cada um de vós. Imploro ao Senhor Jesus que vos abençoe e santifique com a sua graça!
Cidade do Vaticano, 03 de Fevereiro de 2010.
Card. Cláudio Hummes