A Voz do Papa
Mensagem do papa Francisco para a Quaresma de 2022
- 25-02-2022
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“Não nos cansemos de fazer o bem, porque, a seu tempo, colheremos, se não tivermos esmorecido. Portanto, enquanto temos tempo, pratiquemos o bem para com todos”.
Na
sua mensagem, o papa lembra que a Quaresma “é um tempo favorável de renovação
pessoal e comunitária que nos conduz à Páscoa de Jesus Cristo morto e
ressuscitado” e animou a refletir sobre o tema da mensagem que se baseia em uma
exortação de são Paulo aos Gálatas.
“Não
nos cansemos de rezar. Jesus ensinou que é necessário «orar sempre, sem
desfalecer» (Lc 18, 1). Precisamos rezar, porque necessitamos de Deus. A ilusão
de nos bastar a nós mesmos é perigosa. Se a pandemia nos fez sentir de perto a
nossa fragilidade pessoal e social, permita-nos esta Quaresma experimentar o
conforto da fé em Deus, sem a qual não poderemos subsistir (cf. Is 7, 9). No
meio das tempestades da história, encontramo-nos todos no mesmo barco, pelo que
ninguém se salva sozinho; mas sobretudo ninguém se salva sem Deus, porque só o
mistério pascal de Jesus Cristo nos dá a vitória sobre as vagas tenebrosas da
morte”, disse o papa.
A mensagem completa:
«Não
nos cansemos de fazer o bem; porque, a seu tempo colheremos, se não tivermos
esmorecido. Portanto, enquanto temos tempo, pratiquemos o bem para com todos»
(Gal 6, 9-10a).
Queridos
irmãos e irmãs!
A
Quaresma é um tempo favorável de renovação pessoal e comunitária que nos conduz
à Páscoa de Jesus Cristo morto e ressuscitado. Aproveitemos o caminho quaresmal
de 2022 para refletir sobre a exortação de São Paulo aos Gálatas: «Não nos
cansemos de fazer o bem; porque, a seu tempo colheremos, se não tivermos
esmorecido. Portanto, enquanto temos tempo (kairós), pratiquemos o bem para com
todos» (Gal 6, 9-10a).
1.
Sementeira e colheita
Neste
trecho, o Apóstolo evoca a sementeira e a colheita, uma imagem que Jesus muito
prezava (cf. Mt 13). São Paulo fala-nos dum kairós: um tempo propício para
semear o bem tendo em vista uma colheita. Qual poderá ser para nós este tempo
favorável? Certamente é a Quaresma, mas é-o também a nossa inteira existência
terrena, de que a Quaresma constitui de certa forma uma imagem [1]. Muitas
vezes, na nossa vida, prevalecem a ganância e a soberba, o anseio de possuir,
acumular e consumir, como se vê no homem insensato da parábola evangélica, que
considerava assegurada e feliz a sua vida pela grande colheita acumulada nos
seus celeiros (cf. Lc 12, 16-21). A Quaresma convida-nos à conversão, a mudar
mentalidade, de tal modo que a vida encontre a sua verdade e beleza menos no
possuir do que no doar, menos no acumular do que no semear o bem e partilhá-lo.
O
primeiro agricultor é o próprio Deus, que generosamente «continua a espalhar
sementes de bem na humanidade» (Enc. Fratelli tutti, 54). Durante a Quaresma,
somos chamados a responder ao dom de Deus, acolhendo a sua Palavra «viva e
eficaz» (Heb 4, 12). A escuta assídua da Palavra de Deus faz maturar uma pronta
docilidade à sua ação (cf. Tg 1, 19.21), que torna fecunda a nossa vida. E se
isto já é motivo para nos alegrarmos, maior motivo ainda nos vem da chamada
para sermos «cooperadores de Deus» (1 Cor 3, 9), aproveitando o tempo presente
(cf. Ef 5, 16) para semearmos, também nós, praticando o bem. Esta chamada para
semear o bem deve ser vista, não como um peso, mas como uma graça pela qual o
Criador nos quer ativamente unidos à sua fecunda magnanimidade.
E
a colheita? Porventura não se faz toda a sementeira a pensar na colheita?
Certamente; o laço estreito entre a sementeira e a colheita é reafirmado pelo
próprio São Paulo, quando escreve: «Quem pouco semeia, também pouco há de
colher; mas quem semeia com generosidade, com generosidade também colherá» (2
Cor 9, 6). Mas de que colheita se trata? Um primeiro fruto do bem semeado,
temo-lo em nós mesmos e nas nossas relações diárias, incluindo os gestos mais
insignificantes de bondade. Em Deus, nenhum ato de amor, por mais pequeno que
seja, e nenhuma das nossas «generosas fadigas» se perde (cf. Exort. Evangelii
gaudium, 279). Tal como a árvore se reconhece pelos frutos (cf. Mt 7, 16.20),
assim também a vida repleta de obras boas é luminosa (cf. Mt 5, 14-16) e
difunde pelo mundo o perfume de Cristo (cf. 2 Cor 2, 15). Servir a Deus, livres
do pecado, faz maturar frutos de santificação para a salvação de todos (cf. Rm
6, 22).
Na
realidade, só nos é concedido ver uma pequena parte do fruto daquilo que
semeamos, pois, segundo o dito evangélico, «um é o que semeia e outro o que
ceifa» (Jo 4, 37). É precisamente semeando para o bem do próximo que
participamos na magnanimidade de Deus: constitui «grande nobreza ser capaz de
desencadear processos cujos frutos serão colhidos por outros, com a esperança
colocada na força secreta do bem que se semeia» (Enc. Fratelli tutti, 196).
Semear o bem para os outros liberta-nos das lógicas mesquinhas do lucro pessoal
e confere à nossa atividade a respiração ampla da gratuidade, inserindo-nos no
horizonte maravilhoso dos desígnios benfazejos de Deus.
A
Palavra de Deus alarga e eleva ainda mais a nossa perspetiva, anunciando-nos
que a colheita mais autêntica é a escatológica, a do último dia, do dia sem
ocaso. O fruto perfeito da nossa vida e das nossas ações é o «fruto em ordem à
vida eterna» (Jo 4, 36), que será o nosso «tesouro no céu» (Lc 18, 22; cf. 12,
33). O próprio Jesus, para exprimir o mistério da sua morte e ressurreição, usa
a imagem da semente que morre na terra e frutifica (cf. Jo 12, 24); e São Paulo
retoma-a para falar da ressurreição do nosso corpo: «semeado corruptível, o
corpo é ressuscitado incorruptível; semeado na desonra, é ressuscitado na
glória; semeado na fraqueza, é ressuscitado cheio de força; semeado corpo
terreno, é ressuscitado corpo espiritual» (1 Cor 15, 42-44). Esta esperança é a
grande luz que Cristo ressuscitado traz ao mundo: «Se nós temos esperança em
Cristo apenas para esta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens. Mas
não! Cristo ressuscitou dos mortos, como primícias dos que morreram» (1 Cor 15,
19-20), para que quantos estiverem intimamente unidos a Ele no amor, «por uma
morte idêntica à Sua» (Rm 6, 5), também estejam unidos à sua ressurreição para
a vida eterna (cf. Jo 5, 29): «então os justos resplandecerão como o sol, no
reino do seu Pai» (Mt 13, 43).
2.
«Não nos cansemos de fazer o bem»
A
ressurreição de Cristo anima as esperanças terrenas com a «grande esperança» da
vida eterna e introduz, já no tempo presente, o germe da salvação (cf. Bento
XVI, Spe salvi, 3; 7). Perante a amarga desilusão por tantos sonhos desfeitos,
a inquietação com os desafios a enfrentar, o desconsolo pela pobreza de meios à
disposição, a tentação é fechar-se num egoísmo individualista e, à vista dos
sofrimentos alheios, refugiar-se na indiferença. Com efeito, mesmo os recursos
melhores conhecem limitações: «Até os adolescentes se cansam, se fatigam, e os
jovens tropeçam e vacilam» (Is 40, 30). Deus, porém, «dá forças ao cansado e
enche de vigor o fraco. (…) Aqueles que confiam no Senhor, renovam as suas
forças. Têm asas como a águia, correm sem se cansar, marcham sem desfalecer»
(Is 40, 29.31). A Quaresma chama-nos a repor a nossa fé e esperança no Senhor
(cf. 1 Ped 1, 21), pois só com o olhar fixo em Jesus Cristo ressuscitado (cf.
Heb 12, 2) é que podemos acolher a exortação do Apóstolo: «Não nos cansemos de
fazer o bem» (Gal 6, 9).
Não nos cansemos de rezar. Jesus ensinou que é
necessário «orar sempre, sem desfalecer» ( Lc 18, 1). Precisamos rezar, porque
necessitamos de Deus. A ilusão de nos bastar a nós mesmos é perigosa. Se a
pandemia nos fez sentir de perto a nossa fragilidade pessoal e social,
permita-nos esta Quaresma experimentar o conforto da fé em Deus, sem a qual não
poderemos subsistir (cf. Is 7, 9). No meio das tempestades da história,
encontramo-nos todos no mesmo barco, pelo que ninguém se salva sozinho [2]; mas
sobretudo ninguém se salva sem Deus, porque só o mistério pascal de Jesus
Cristo nos dá a vitória sobre as vagas tenebrosas da morte. A fé não nos
preserva das tribulações da vida, mas permite atravessá-las unidos a Deus em
Cristo, com a grande esperança que não desilude e cujo penhor é o amor que Deus
derramou nos nossos corações por meio do Espírito Santo (cf. Rm 5, 1-5).
Não
nos cansemos de extirpar o mal da nossa vida. Possa o jejum corporal, a que nos
chama a Quaresma, fortalecer o nosso espírito para o combate contra o pecado.
Não nos cansemos de pedir perdão no sacramento da Penitência e Reconciliação,
sabendo que Deus nunca Se cansa de perdoar [3]. Não nos cansemos de combater a
concupiscência, fragilidade esta que inclina para o egoísmo e todo o mal,
encontrando no decurso dos séculos vias diferentes para fazer precipitar o
homem no pecado (cf. Enc. Fratelli tutti, 166). Uma destas vias é a dependência
dos meios de comunicação digitais, que empobrece as relações humanas. A
Quaresma é tempo propício para contrastar estas ciladas, cultivando ao contrário
uma comunicação humana mais integral (cf. ibid., 43), feita de «encontros reais»
( ibid., 50), face a face.
Não
nos cansemos de fazer o bem, através duma operosa caridade para com o próximo.
Durante esta Quaresma, exercitemo-nos na prática da esmola, dando com alegria
(cf. 2 Cor 9, 7). Deus, «que dá a semente ao semeador e o pão em alimento» (2
Cor 9, 10), provê a cada um de nós os recursos necessários para nos nutrirmos e
ainda para sermos generosos na prática do bem para com os outros. Se é verdade
que toda a nossa vida é tempo para semear o bem, aproveitemos de modo
particular esta Quaresma para cuidar de quem está próximo de nós, para nos
aproximarmos dos irmãos e irmãs que se encontram feridos na margem da estrada
da vida (cf. Lc 10, 25-37). A Quaresma é tempo propício para procurar, e não
evitar, quem passa necessidade; para chamar, e não ignorar, quem deseja atenção
e uma boa palavra; para visitar, e não abandonar, quem sofre a solidão.
Acolhamos o apelo a praticar o bem para com todos, reservando tempo para amar
os mais pequenos e indefesos, os abandonados e desprezados, os discriminados e
marginalizados (cf. Enc. Fratelli tutti, 193).
3.
«A seu tempo colheremos, se não tivermos esmorecido»
Cada
ano, a Quaresma vem recordar-nos que «o bem, como aliás o amor, a justiça e a
solidariedade não se alcançam duma vez para sempre; hão de ser conquistados
cada dia» (ibid., 11). Por conseguinte, peçamos a Deus a constância paciente do
agricultor (cf. Tg 5, 7), para não desistir na prática do bem, um passo de cada
vez. Quem cai, estenda a mão ao Pai que nos levanta sempre. Quem se extraviou,
enganado pelas seduções do maligno, não demore a voltar para Deus, que «é
generoso em perdoar» (Is 55, 7). Neste tempo de conversão, buscando apoio na
graça divina e na comunhão da Igreja, não nos cansemos de semear o bem. O jejum
prepara o terreno, a oração rega, a caridade fecunda-o. Na fé, temos a certeza
de que «a seu tempo colheremos, se não tivermos esmorecido», e obteremos, com o
dom da perseverança, os bens prometidos (cf. Heb 10, 36) para salvação nossa e
do próximo (cf. 1 Tm 4, 16). Praticando o amor fraterno para com todos, estamos
unidos a Cristo, que deu a sua vida por nós (cf. 2 Cor 5, 14-15), e saboreamos
desde já a alegria do Reino dos Céus, quando Deus for «tudo em todos» (1 Cor
15, 28).
A
Virgem Maria, em cujo ventre germinou o Salvador e que guardava todas as coisas
«ponderando-as no seu coração» (Lc 2, 19), obtenha-nos o dom da paciência e
acompanhe-nos com a sua presença materna, para que este tempo de conversão dê
frutos de salvação eterna.
Roma,
em São João de Latrão, na Memória litúrgica do bispo São Martinho, 11 de Novembro
de 2021.