Santos e finados
Eu sou o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob
Festa de todos os Santos seguida do dia dos Finados.
Santos e Finados fazem parte do quadro de referências que compõem uma cosmovisão que procura integrar os diversos aspectos da realidade e da vida humana, numa tentativa de harmonizar todas as coisas num universo que tenha sentido. E´ o que todas as religiões procuram fazer: buscar o sentido último de todas as coisas.
Independente do mérito objectivo destas duas celebrações, elas fazem parte da visão de conjunto que a fé cristã apresenta, e que é explicitada ao longo de cada ano pelas celebrações tradicionais que compõem o calendário litúrgico da Igreja.
A questão de fundo, em ambas, é a esperança na vida além da morte, interrogação que acompanha fatalmente nossa condição humana de seres mortais, mas capazes de se perguntar pelo sentido de sua existência.
A este respeito, todos têm o direito de expressar as suas convicções, e de formular também as suas projecções além dos limites da nossa compreensão humana. Mesmo sem lançar mão dos dados oferecidos pela fé, é legítimo o esforço de encontrar suporte racional para a esperança de uma sobrevida. Pois na verdade, o facto de sermos capazes de interrogar a eternidade, já é sinal de que somos feitos para ela.
Mas é interessante observar que a fé cristã não se baseia em garantias racionais para cultivar a sua esperança na vida eterna. Ela parte de outro princípio. Ela funda a sua esperança na maneira como Deus se revelou. Assim, a vida eterna é uma dedução, uma consequência, um corolário, uma derivação de como Deus manifestou o mistério de sua própria existência.
No tempo Jesus havia dois grupos que se opunham frontalmente a respeito da ressurreição. Os fariseus afirmavam convictos que havia. Os saduceus desdenhavam esta fé e diziam-se abertamente contrários à ressurreição. Foi a propósito deles que Jesus precisou de tomar posição, com a surpreendente resposta dada aos zombadores da vida futura. Jesus não se posicionou directamente a favor da ressurreição. Jesus encontra o fundamento da ressurreição nas palavras ditas por Deus a Moisés: “eu sou o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob”. Daí ele tira a surpreendente conclusão, que serve de fundamento para a fé cristã: “ora, Deus não é um deus de mortos, mas Deus de vivos!”.
Para os cristãos, a vida eterna não é entendida como consequência de uma suposta imortalidade da nossa alma. Isto pode servir de suporte. Mas não mora aí a razão da nossa esperança, como São Pedro nos aconselha a buscar sempre. A nossa fé na ressurreição é muito mais consistente do que um simples raciocínio filosófico.
Colocados os fundamentos da fé, é claro que a razão pode perceber neles a coerência interna, que a teologia procura encontrar, como “fides quaerens intellectum”, no dizer de Santo Anselmo.
Se já o Antigo Testamento oferecia base sólida para a fé na ressurreição, muito mais o Novo Testamento, que se constrói todo ele em torno da fé na Ressurreição de Jesus. Depois de citar os factos que servem de fundamento para o Evangelho, escrevendo aos coríntios, São Paulo tira a conclusão certeira e definitiva: “Ora, se se prega que Cristo ressuscitou dos mortos, como podem alguns dizer que não há ressurreição dos mortos?” A fé na ressurreição de Cristo, e em consequência, da nossa ressurreição, é o núcleo aglutinador que harmoniza todo o conjunto da vida humana, com as suas certezas presentes, e com a sua esperança no futuro.
Celebrando Santos e Finados, rendemos homenagem ao Deus dos vivos, “pois para ele todos vivem”.