A IGREJA
Paróquia, Vigararia e Missão do Vigário
- 10-07-2008
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Reflexão de D. António Marto sobre a integração pastoral da paróquia na Vigararia
1. A paróquia e a vigararia hoje: pastoral de comunhão
A questão séria que se põe hoje à Igreja, às comunidades e a cada um de nós, é o anúncio e a transmissão da fé frente às mudanças culturais e às dificuldades e aos desafios que levantam: Como anunciar hoje? Qual deve ser o fundamento da evangelização? Que caminhos percorrer para que seja activa e fecunda? Não podemos contentarmo-nos com uma religiosidade vaga, genérica e superficial que não resiste às transformações culturais, à mínima tempestade provocada por um Código da Vinci e outras ficções do género.
João Paulo II, na Novo Millennio Ineunte, indica algumas linhas programáticas que poderemos sintetizar em três palavras-chave:
- Contemplação: contemplar o rosto (mistério) de Cristo para ir ao coração da fé e caminhar na estrada da santidade. É o reconhecimento do primado de Deus, da Sua graça e do Seu amor na vida e pastoral da Igreja; o apelo à essência da fé e da vida cristã (Palavra, Eucaristia, iniciação à fé);
- Comunhão: descobrir o mistério de comunhão que habita e caracteriza a forma da existência cristã e da Igreja e se torna espiritualidade pessoal e comunitária e, por conseguinte, praxis (pessoal e pastoral) de comunhão;
- Missão: para ser testemunhas alegres e convictas e fermento evangélico no mundo, atentos à vida quotidiana das pessoas e à mudança cultural do nosso tempo
A vida cristã, a vida em Cristo deve projectar-se para uma experiência de vida trinitária, vida de comunhão, que configurará a Igreja como “casa e escola de comunhão” e, por conseguinte, uma pastoral de comunhão. Isto define o aspecto fundamental da evangelização, hoje: partir sempre da comunhão, não esquecendo que esta é, antes de mais, uma espiritualidade a cultivar, como pressuposto indispensável para a práxis pastoral.
Tudo isto obriga a repensar a colocação da paróquia e sua acção pastoral.
1.1. A paróquia e a evangelização do território
A paróquia tem duas referências fundamentais: a igreja diocesana (da qual é uma célula) e o território (no qual torna a Igreja presente no meio das casas dos homens). O território deve ser entendido não só geograficamente, mas também antropologicamente: as características humanas, sociais e culturais. Dada a mobilidade característica do nosso tempo, as pessoas hoje vivem em vários territórios, geográficos e culturais. Já não vivem, nem fazem a sua vida só no espaço e no ambiente da paróquia. As referências são múltiplas. Continua, sem dúvida, a ser verdadeiro que a paróquia é a igreja presente no quotidiano das pessoas e das famílias, que as acompanha em todas as idades e etapas da vida. Todavia, não se pode mais concebê-la isolada e fechada em si mesma. Já o P.e Congar, nos meados do século passado, escreveu um livro com um título muito significativo: “Minha paróquia, vasto mundo”!
Uma pastoral de manutenção, voltada unicamente para a conservação da fé e assistência da comunidade, já não basta. É preciso uma pastoral evangelizadora e em todos os campos: ser capaz de criar e manter itinerários que aproximam as pessoas à fé, promovendo lugares de encontro com quantos andam à busca e com quem, mesmo sendo baptizado, sente o desejo de escolher de novo o evangelho como orientação de fundo da sua própria vida…
1.2. Uma pastoral integrada
Acabou o tempo da paróquia auto-suficiente que oferecia tudo para todos e respondia a todas as situações e a todos os problemas. Hoje isso é impossível. Todos devemos tomar consciência desta realidade.
Em âmbitos da pastoral litúrgica, da formação na fé, da pastoral dos jovens, da família, caridade, cultura, saúde, etc., só se pode trabalhar juntos. São terrenos onde a paróquia tem necessidade e urgência de mover-se em colaboração com as paróquias vizinhas, no contexto da vigararia, investindo corajosamente numa pastoral de conjunto.
Eis a razão pela qual é muito importante que as comunidades paroquiais colaborem cada vez mais, que haja uma colaboração e responsabilidade partilhada entre as comunidades. Não é bom que vivam lado a lado como ilhas. E não se trata apenas de uma colaboração meramente ocasional para uma determinada iniciativa, mas de um laço de colaboração duradoiro e programado. Isto é indispensável para a vitalidade das próprias comunidades.
E não se pense que se trata de uma pura “política de crise” resultante da escassez do clero. É antes uma perspectiva que se abre para o futuro. Isto resulta da unidade da missão da Igreja (missão em comunhão) para que seja vivida na busca de todas aquelas colaborações que permitam realizar iniciativas que superam as possibilidades de cada paróquia. Daqui a necessidade de uma pastoral integrada, isto é, situada dentro de um agregado mais vasto na relação com as outras paróquias.
Uma pastoral integrada põe em acção todas as energias de que o povo de Deus dispõe, valorizando-as na sua especificidade e, ao mesmo tempo, fazendo-as confluir em projectos comuns, pensados, definidos, programados e realizados em conjunto. Ela põe em rede os múltiplos recursos de que dispõe: humanos, espirituais, culturais, pastorais.
Tudo isto exige uma nova valorização da vigararia que vai mais para além das relações funcionais ou convergência de interesses práticos. Deve ser valorizada sobretudo como centro de evangelização ou “unidade pastoral” (mesmo sem a formalidade jurídica do “in solidum”), como âmbito normal de comunhão eclesial pastoral, de discernimento pastoral, de integração de iniciativas e colaborações entre paróquias de uma área, – “paróquias em rede”, num esforço de pastoral de conjunto, em ordem a uma nova qualidade de evangelização. Uma rede de fraternidade ao serviço do Evangelho.
Assim, será possível realizar também uma valorização das competências, um intercâmbio de dons e ministérios, uma partilha e poupança de recursos, um reequilíbrio dos encargos de trabalho.
Mas isto requer o difícil trabalho em equipa! Trabalhar em equipa requer, por sua vez, uma espiritualidade e uma ascese, a começar pelo “pensar em equipa”: pôr em comum os diversos pontos de vista com transparência; ter o desejo de aprender com os outros; escuta interessada e sem preconceitos; estar consciente de que em equipa se vê e discerne a realidade com maior amplidão e profundidade; renunciar ao individualismo e à indisciplina.
Além disto, é preciso tomar consciência de que o investimento pastoral na vigararia reverte numa “mais valia” para cada paróquia.
1.3. Estilo de pastoral integral
Além da pastoral integrada, é necessária também uma pastoral integral que integra as várias dimensões (profética, litúrgica e sócio-caritativa com as diferentes subdivisões), os vários sujeitos e os vários ministérios da pastoral da comunidade; uma pastoral em diálogo (dentro da comunidade, ecuménico, inter-religioso, com os de convicções não religiosas, com a cultura…)
Se acabou a época da paróquia auto-suficiente, acabou também o tempo do pároco auto-suficiente (faz-tudo), que pensa o seu ministério isolado.
Os sacerdotes devem ver-se sempre no interior do presbitério, por um lado, e dentro da sinfonia dos ministérios na comunidade, por outro. O pároco deverá cuidar de promover carismas, vocações, ministérios a partir da corresponsabilidade. Não pode reduzir os fiéis leigos ao papel de meras tropas auxiliares. Há que passar da mera ajuda (= dar uma mão) à corresponsabilidade dentro de um projecto pastoral comum.
Há pois uma tríade indivisível de elementos: comunhão, corresponsabilidade, colaboração, que desenham o rosto de comunidades que trabalham em conjunto. Estes três elementos configuram um estilo pastoral que valoriza cada recurso e cada sensibilidade, num clima de fraternidade e de diálogo, de franqueza na partilha e de humildade na busca do que corresponde ao bem de toda a comunidade; geram estilos de encontro e comunicação, através de relações interpessoais atentas a cada pessoa; e promovem relações maduras, capazes de escuta e de reciprocidade.
1.4. Conversão pastoral
Trata-se de ver nesta perspectiva não uma mera estratégia humana de organização eclesiástica, de engenharia eclesial ou lotização de poderes ou tarefas, mas antes uma indicação que nos vem do Senhor através do discernimento da situação da Igreja hoje e nos pede uma verdadeira conversão pastoral. É um apelo à fé para enfrentar as dificuldades e procurar soluções juntos; um apelo a olhar com esperança o momento presente com as suas dificuldades e chances e a não ficar parados junto ao muro das lamentações! Estamos a atravessar uma “crise epocal” que normalmente dura décadas. Não temos receitas e soluções prontas para os novos desafios. Mas a Igreja, ao longo da história, já passou por muitas destas “crises epocais” e soube encontrar sempre novas formas de presença e de anúncio do Evangelho. Também nós temos de estar à altura da hora presente!
Estou consciente de que só nesta base vos posso pedir uma atitude de conversão pastoral e o mais generoso contributo para a implementação desta orientação.
Questões para um exame de consciência pastoral:
Cuidamos da espiritualidade de comunhão entre nós e nas nossas comunidades? Se há grupos, associações e movimentos na paróquia ou vigararia sabemos – e como o estamos a fazer – discernir, integrar e cuidar da valorização das suas competências? Como cuidamos da intercomunicação dos diversos grupos específicos entre eles e com toda a comunidade e com a vigararia? Sabemos como programar e animar tudo isto? Estamos dispostos a pensar e a trabalhar em equipa? Como criar o “espírito de vigararia” em todas as paróquias?
A este exame de consciência ajuda também o “decálogo do sacerdote” apresentado por um bispo alemão já falecido (D. Klaus Hemmerle, bispo de Achen, numa jornada de estudo da Conferência Episcopal Alemã.):
É mais importante como eu vivo o sacerdócio, do que aquilo que faço enquanto sacerdote.
É mais importante o que Cristo faz através de mim, do que aquilo que faço eu.
É mais importante que eu viva a comunhão no presbitério, do que lançar-me até à exaustão sozinho no ministério.
É mais importante o serviço da oração e da palavra, do que o das mesas.
É mais importante seguir e ajudar a formar, espiritual e culturalmente, os colaboradores, do que fazer eu mesmo e sozinho o mais possível.
É mais importante estar presente em poucos, mas centrais sectores de acção, com uma presença que irradie vida, do que estar em tudo à pressa ou a meias.
É mais importante agir em comunhão com os colaboradores, do que sozinho, mesmo que me considere capaz; ou seja, é mais importante a comunhão do que a acção.
É mais importante, porque mais fecunda, a cruz do que os resultados muitas vezes aparentes, fruto de talentos e esforços simplesmente humanos.
É mais importante ter a alma aberta sobre o “todo” (comunidade, diocese, igreja universal, humanidade), do que fixada em interesses particulares, ainda que me pareçam importantes.
É mais importante que a fé seja testemunhada a todos, do que satisfazer todos os pedidos habituais.
2. A missão do Vigário
“O cargo de vigário reveste uma notável importância pastoral, enquanto colaborador próximo do Bispo na cura pastoral dos fiéis e solícito “irmão maior” dos sacerdotes da vigararia, sobretudo se estão doentes ou em situações difíceis.
Compete-lhe promover e coordenar a actividade pastoral que as paróquias realizam em comum, velar (= cuidar com solicitude) para que os sacerdotes vivam de acordo com o seu estado e seja observada a disciplina paroquial, sobretudo litúrgica” (Directório para o ministério pastoral dos bispos, nº 218).
A missão do vigário é, antes de tudo, pastoral e não só jurídico-administrativa. Inclui, em primeiro lugar, solicitude apostólica e fraternidade sacerdotal. O vigário é chamado a fomentar e coordenar a actividade pastoral comum e a animar a vida do presbitério local em comunhão. Em concreto e mais especificamente:
Promover a união e fraternidade do clero (criar laços através da boa relação, da participação e convívio nas reuniões vicariais, do contacto pessoal, do passeio anual, da visita aos colegas, do apoio espiritual e material aos colegas doentes; cuidar da dignidade dos funerais daqueles que faleceram e da salvaguarda dos livros paroquiais, dinheiros da paróquia; etc.)
Convocar e moderar as reuniões vicariais do clero (organizar e enviar a agenda, preparar com cuidado o momento de oração comunitária, promover a participação de todos, prestar atenção ao tempo para abordar os assuntos, nomear secretário para fazer a acta, etc.).
Desenvolver a vida e o trabalho de equipa (distribuição de tarefas, cuidar da substituição de um padre em casos imprevistos, marcação conjugada de férias…).
Ajudar o clero a conhecer e a aderir às propostas diocesanas, à participação na formação permanente, à avaliação periódica das propostas pastorais, à elaboração da nova contabilidade, de harmonia com o previsto na Concordata.
Propor iniciativas comuns às paróquias da vigararia para o desenvolvimento do sentido de unidade pastoral, fomentar acções da pastoral especializada na vigararia (formação dos agentes da pastoral litúrgica, preparação do matrimónio, formação de catequistas e de ministérios, pastoral juvenil, pastoral sócio-caritativa, pastoral vocacional etc.).
Convocar, presidir e animar as jornadas vicariais (ou assembleias ou encontros vicariais).
Representar a vigararia nas reuniões de vigários ou outras.
Ser meio de comunicação entre as paróquias e a Diocese (dificuldades, doença ou morte de colegas ou seus familiares); concretamente, ser mediador, de primeira instância, nas dificuldades que possam surgir entre um pároco e os fiéis, ajudando a encontrar soluções.
Tutelar e acompanhar a administração do património e dos bens eclesiásticos, aconselhando, quando se trate de obras, a consulta à Comissão de Arte Sacra. Promover a inventariação, e se for caso disso, o registo dos bens das paróquias.
Zelar para que os livros paroquiais estejam em dia e os respectivos “extractos” entregues na Cúria.
Concluindo:
-Não há missão eficaz senão dentro de um estilo de comunhão.
-Trabalhai menos. Trabalhai melhor. Trabalhai mais unidos. Rezai mais e mais unidos no mesmo Senhor Jesus!
Tu, Senhor, tens confiança em nós, no teu povo, apesar das nossas fraquezas, fadigas e resistências. Vem com o teu Santo Espírito e concede-nos a graça de acolher o teu apelo a uma maior colaboração, interacção e comunicação entre as nossas paróquias, para oferecer um testemunho cristão mais unido, mais eficaz, mais bem organizado e mais significativo no território onde somos chamados a anunciar o Evangelho.
Concede esta graça aos sacerdotes e aos fiéis leigos de colaborarem fraternamente para o bem do Teu povo; faz com que cada um acolha os grandes dons de graça e de alegria evangélica que brotam da comunhão dos corações!
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima