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A Família

Tenho um filho autista. O que devo fazer?

 

Tenho um filho autista. O que devo fazer e como agir? 

 

O testemunho de uma mãe que busca superar, todos os dias, as dificuldades de ter um filho com autismo

 

Ter um filho especial é dedicar-se ainda mais à tarefa de ser pai e mãe, pois esta criança exigirá cuidados e uma atenção maior; mais do que isso, a sensibilidade diante dos seus limites. Diante desta realidade, uma mãe cujo filho possui Transtorno de Espectro Autista – TEA, buscou recursos médicos e terapêuticos, como também apoio de outras famílias para compreender o mundo de uma criança com autismo.

Carla é a mãe do Guilherme Muller Carvalho, de 16 anos, portador do TEA. Segundo ela, ter um filho autista é enfrentar desafios diários, mas com a certeza de que é possível fazer com ele tenha uma vida feliz e produtiva, com respeito e perseverança.

Quando recebeu o diagnóstico de seu filho Guilherme, Carla sentiu medo no início, mas fez daquele momento um compromisso de buscar, de todas as formas, uma vida melhor não só para ele, mas para outras famílias que precisavam de ajuda. Foi nesse momento que surgiu a ‘Associação Casa de Brincar’, cujo objetivo é dar apoio às crianças, seus familiares e amigos, por meio de oficinas lúdicas e com uma equipe de profissionais dispostos a transformar estas vidas.

 

A história de Carla e Guilherme

 

Carla Carvalho: Penso que ter um filho com autismo é poder vivenciar todo o altruísmo possível ao ser humano, porque não há como definir nem preconizar nada na nossa vida.

Nós temos de olhar para eles e fazer com que as suas necessidades sejam atendidas, buscando compreendê-los e minimizando as suas frustrações. Pode parecer muito difícil, mas é possível, sempre trilhando com esperança, paciência e otimismo. Confesso que, hoje, apesar dos desafios que a vida me impôs, sou uma pessoa mais feliz e realizada.

 

- Que desafios e cuidados especiais tem com o Guilherme?

 

Carla Carvalho: O meu maior desafio é sempre procurar ser a mãe que o Guilherme precisa, ou seja, sem protegê-lo demais. Acredito que o desafio para com o Gui, no fundo, acabe por ser o mesmo que tive com os meus outros filhos, ou seja, permitir que alcancem outros voos, e cada um na sua própria altitude. Penso que o meu melhor, agora, seja estar na retaguarda, sendo consolo e segurança, caso eles precisem.

É claro que com os outros filhos a expectativa foi que eles voassem para longe, na autonomia das suas vidas; mas com o Guilherme eu ainda não sei, só posso falar do que já vivi. Hoje, ele é um adolescente lindo e meigo, com 16 anos. Graças a Deus, tem conseguido mostrar-me, sempre, que o meu respeito, amor, dedicação e aceitação o fazem muito feliz.

 

- Como foi o processo de alfabetização do Guilherme e a convivência com outras pessoas?

 

Carla Carvalho: Eu, como uma mãe mais velha – tive o Guilherme aos 40 anos, já com 2 filhos jovens –, confesso não ter vivido as ansiedade das jovens mães em relação ao futuro. Na verdade, vivi uma alegria inexplicável pelo meu temporão, como também uma dor enorme com o seu diagnóstico. Mas sempre com muita calma e preocupação, só pedia para que Deus me mostrasse o que teria de ser feito para ser e fazer o melhor por ele. Não importava o que poderia ser o melhor para nós, mas sim para ele, e ter a sensibilidade de ver até onde ele poderia ir naquele momento, saber esperar e dar novos passos quando possível.

Quando ele tinha quatro anos, montei uma escola para que fosse feita a inclusão dele, porque, há doze anos, falar em escola inclusiva, no interior, deixava-me muito insegura. O meu filho tinha um autismo severo, portanto, não verbal; e logo nos mostrou quanto lhe era difícil ficar numa sala de aula, mesmo que com pouquíssimas crianças.

Fizemos essa escola, onde ele começou no maternal. No entanto, quando chegou à alfabetização, ele demonstrava comportamentos nada adequados, por não conseguir acompanhar as aulas. Apesar de termos tido todos os cuidados e tê-lo colocado numa sala com oito crianças, ele começou a ter uma desfasagem muito aparente em relação às outras crianças. O Guilherme começou a ter comportamentos agressivos na escola, e foi muito sofrido!

Aquilo destruiu-me de uma forma inexplicável! Naquele momento, tive a sabedoria de retirá-lo da escola e respeitar o momento dele. Não sei dizer, hoje, o que ele sabe em termos académicos, pois participou em vários processos. Conhecemos, no entanto, várias histórias de pessoas com autismo, que, às vezes, na vida adulta, mostram o que aprenderam. Porém, isso está longe de ser uma regra, e no meu caso posso dizer que o Guilherme me surpreende cada dia.

 

- O Guilherme deixou a fase infantil e está a começar a entrar na adolescência. Como é para si lidar com esta transição da fase de criança para adolescência?

 

Carla Carvalho: Na verdade, acho que ele continua na fase infantil, porque tudo para ele é um pouco mais lento, e a motivação infantil é algo ainda muito forte nele. A pureza que as crianças autistas trazem, por causa dessa infância, talvez mais longeva, faz com que sejam muito especiais. Eu tinha muito medo desse período da adolescência, sofri desnecessariamente por não viver um dia de cada vez. São as lições que a vida carinhosamente nos possibilita aprender.

Ele tornou-se um adolescente maravilhoso, amoroso e feliz. Hoje, demonstra, com clareza, o que quer e gosta, e sempre pronto para as novidades do mundo, desde que se sinta seguro e respeitado no seu limite. Acredito mesmo que esse olhar amoroso e cuidadoso o fizeram ter a coragem de experimentar e lançar-se em novas experiências na sua vida.

 

- Como é a participação do seu esposo e pai do Guilherme neste processo?

 

Carla Carvalho: A rotina do trabalho acaba por deixar o tempo um pouco escasso, pois, infelizmente, não dá para equilibrar todas as coisas; assim, o meu marido nunca conseguiu passar muitas horas com o Guilherme nem com os outros filhos, por causa dessa carga de trabalho.  Mas mesmo com a correria do dia a dia, sinceramente, ele nunca deixou a desejar como pai e homem de bem que é, com a sua honestidade, comprometimento e bem-estar da família. Com o Guilherme, em especial, ele é de uma dedicação total em relação a tudo o que pode prover materialmente e em termos de tratamento.

É graças a ele que tenho condições de fazer tudo pelo nosso filho! Mas, na verdade, a sua generosidade explodiu na criação da ‘Casa de Brincar’, uma associação totalmente filantrópica gerenciada por nós, mas provida pela empresa. Eu diria que ele tem um amor muito peculiar por todos os filhos, por todos nós e pela nossa família. Ele é um homem de bem, maravilhoso! Tenho a certeza de que, se ele não nos tivesse dado essa condição, nós não teríamos chegado aqui com o nosso filho como está hoje.

 

Tratamento para uma criança autista

 

- Após o diagnóstico, quais foram os caminhos e especialistas que procuraram?

 

Carla Carvalho: A opção de tratamento que fiz, naquele momento, foi de uma terapia comportamental muito forte, diária e de muitas horas; era uma forma de ele aprender como se comportar no nosso mundo. Não vou dizer que isto foi negativo, mas se eu, hoje, tivesse de viver tudo isto de novo, eu não teria feito desta forma.

Eu não tinha o direito de mostrar para ele como era a forma certa de se comportar, mas sim as possibilidades para se adequar. No entanto, às vezes, a gente também erra ou não faz o melhor tentando fazê-lo.

Os profissionais envolvidos neste processo foram fonoaudiólogos, professores de educação física, neurologistas e homeopatas. Mas sempre a melhor terapia será o amor e a aceitação.

 

Projeto ‘Casa de Brincar’

 

- Como surgiu a iniciativa de criar o projeto ‘Casa de Brincar’, esse grupo de auxílio aos pais de crianças autistas?

 

Carla Carvalho: Primeiro, foi feita a Casinha do Lago, uma escola regular que durou cinco anos. Quando ela fechou, o Guilherme já não estava na sala de aula há um ano e meio.

Com este projeto da escola, conseguimos beneficiar muitas pessoas, mas, uma vez que o Guilherme não estava a conseguir acompanhar o ritmo da escola, tivemos de buscar novos caminhos. Quando a escola estava para encerrar, nós já tínhamos montado um grupo de apoio para mães e familiares de crianças com autismo.

Nesse grupo de apoio, reuníamo-nos, cada 15 dias, numa sala da igreja local. Nesse grupo, fui conhecendo várias outras mães que chegavam destruídas, perdidas, com um sofrimento sem igual. Aquela troca e o dia a dia que fui vivenciando com elas foi me mostrando que, na verdade, o que eu precisava para tentar ajudar a mim e a elas é que tivéssemos um local que nos acolhesse, porque, nestes meus 16 anos com o Guilherme, talvez umas das coisas que compreendi, muito claramente, é que os nossos filhos vão espelhar a nossa realidade.

Se estivermos a passar por um sofrimento e esta tristeza for por causa deles serem assim, vamos ter crianças tristes e inseguras ou agressivas, ou seja, eles vão sentir tudo que acontece connosco. Por isso, temos de nos preparar para essa vivência e transformar a nossa vida, para que essa transformação possa acontecer também na vida deles. Foi isso que experimentei na minha vida, ou seja, foi a minha transformação, diante da nova necessidade de vida, que mudaram a nossa história.

Sempre pedi a Deus para me mostrar como ser a melhor mãe que o Guilherme precisava ter, e acho que foi essa a grande inspiração que Ele me deu. Nesses encontros, junto com a equipa que já cuidava do Gui há alguns anos, outras famílias também tiveram as suas vidas modificadas por causa da convivência com os iguais. Abro aqui um parêntese para definir toda a equipa que, hoje, faz parte da nossa família e que cuida de nós com amor e carinho únicos: são anjos que Deus colocou na nossa vida! Gratidão eterna.

Diante desta realidade, resolvemos fazer um núcleo de apoio. Confesso que, quando começámos, nós nem sabíamos qual seria o modelo. A única certeza é que queríamos acolher essas famílias. Se não tivéssemos nada para oferecer, abraçaríamos essas mães e choraríamos com cada uma, porque, naquele momento, poderia ser o que precisavam para ter coragem de seguir em frente, serem fortalecidas para conseguir fazer o melhor pelos seus filhos.

 

- Hoje, este projeto atende quantas crianças? Como é o trabalho desenvolvido com os autistas?

 

Carla Carvalho: O projeto atende, praticamente, 60 famílias. Ainda temos muitas crianças à espera, porque acabam por aparecer também algumas famílias da região. Mas 60 é o que nós conseguimos abraçar com o número de profissionais que temos e em quem confio. Não tenho como abraçar mais, embora isso me crie muita aflição e dor, porque sei da importância desta teia, que é a ‘Casa de Brincar’, e o que ela proporciona às famílias.

Lá, temos oficinas para as crianças com música, movimento, natação, integração sensorial e lúdica, mas o objetivo principal da casa é mostrar aos pais como brincar, como ter prazer e alegria com os seus filhos, pois é por meio das brincadeiras que podemos chegar a transpor as pontes que o autismo nos impõe.

 

 

- A fé ajudou-a no processo de diagnóstico do seu filho e na inspiração para o projeto ‘Casa de Brincar’?

 

Carla Carvalho: Na verdade, a fé foi a minha única e grande motivação de continuar a viver, pois nem imaginava todas as dificuldades que ainda estavam por vir. Ter a noção e a consciência de tudo o que representa este limite do meu filho é uma forma de tentar fazer com que a vida dele seja a melhor possível.

De alguma forma, foi um chamamento do céu, que me arrebatou, pois penso que, se eu não tivesse entregue o meu coração por inteiro e compreendido que eu nunca estaria sozinha nesta árdua e desconhecida caminhada, sinceramente, não conseguiria suportar. Foi esta fé que me trouxe a esperança de um futuro possível.

A fé foi tudo! Foi toda a motivação para seguir a minha vida e me lembrar que tinha outros filhos, e não achar que tudo tinha acabado. Na verdade, a fé mostrou-me que aquilo era um recomeço e uma nova forma de viver, dolorosa e bela, mas teria que ser vivida com alegria.

 

- Como define o mundo de uma criança autista e o que diria aos pais de filhos nessa situação?

 

Carla Carvalho: O mundo e a vida de uma criança com autismo podem ser muito cruéis, porque, se ela não tiver ao seu redor pessoas que a façam compreender que toda a dificuldade de compreensão do mundo e das pessoas podem ser transformadas com paciência, esperança e muito amor, será muito difícil.

Devemos aprender com os outros pais que o altruísmo é a nossa palavra de vida, pois, se soubermos viver assim e fizermos disso uma alegria e um objetivo, acho que conseguiremos transformar a nossa vida e a dos nossos filhos.

Eles são um espelho dos nossos sentimentos, porque são sensíveis, perceptíveis e sabem totalmente o que nos faz sofrer. Eles também sabem que são diferentes e não são aceites pela maioria das pessoas ao seu redor, e isto é muito triste! Então, quando penso nisto, revisto-me de uma força tão poderosa, para fazer com que, no espaço que o meu filho esteja, ele seja muito feliz.

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