Como viver a viuvez?
Qualquer que seja o nosso estado de vida, podemos ser felizes, se vivermos em Deus e para Deus!
Fiquei viúvo há três anos. Nunca antes eu tinha pensado como seria a minha vida sem a minha esposa, depois de 40 anos de casados e quatro de namoro e noivado. No fim da sua vida ela disse-me que tinha medo de me deixar sozinho…
Mas quando já dava para pressentir que a sua morte estava próxima, depois de um cancro de seis anos, fui pedindo a Deus que me preparasse para viver a viuvez. Cada vez mais nas minhas orações eu pedia a Deus que me desse a graça de aceitar toda a vontade dEle e pudesse continuar a viver para Ele. Penso que esta seja a primeira coisa que um viúvo (a) precisa de fazer: aceitar a vontade de Deus, que conduz a nossa vida, e sabe o que é melhor para nós cada dia. Nesta fé é preciso entregar a Deus e agradecer – claro que com lágrimas! – o cônjuge querido que Ele nos deu como um Presente durante tantos anos. O que melhor cura a ferida que fica na alma é a entrega da pessoa a Deus, agradecendo-Lhe todo o tempo bom que esta pessoa esteve a nosso lado.
Na nossa fé, precisamos, então, de oferecer a Deus as Missas e as Indulgências pela alma da pessoa amada que agora reza por nós. Eu procuro fazer isto todos os dias. E às segundas-feiras vou ao túmulo dela levar a minha prece e uma flor.
É preciso também viver para a família. No meu caso são cinco filhos, um genro e quatro noras, e onze netos (e agora, mais um a caminho). Eles precisam de nós e suprem a falta da pessoa amada. Nunca dei tanto valor a uma família numerosa como agora. Antes de morrer, ela disse aos filhos: “Cuidem do vosso pai!” Então, todo cuidado comigo agora é pouco.
Deus dá-nos a chamada “graça de estado” para que possamos viver bem cada etapa da vida; de modo especial eu sinto esta graça de estado da viuvez que me ajuda a viver como Deus quer.
No meu caso, tendo uma vida intensa na Igreja, escrevendo livros, pregando, dando formação e aulas, viajando, etc., prefiro não procurar um novo casamento. Sinto em Deus que é melhor eu viver o celibato, e uma vida meio parecida como a de um monge da cidade, meio mergulhado no barulho. Mas, no meu “eremitério” isolado, partilho a minha vida com Deus, com os familiares e amigos. Estou sempre mobilizado para ajudar algum deles. E isto dá um grande sentido à nossa vida e não nos deixa cair na solidão, depressão ou tristeza.
É claro que não é fácil viver sem uma esposa, sem vida sexual à qual estávamos acostumados; mas a graça de estado ajuda-nos. E o viúvo não pode andar a procurar satisfação sexual de maneiras pecaminosas; seja por pornografia ou outros meios. Deus chama-nos a viver a castidade em qualquer estado de vida, casado ou solteiro. Isto é mais difícil para o homem do que para a mulher, mas com a graça de Deus, os Sacramentos da Igreja e a oração, isto é possível. É preciso consagrar-se a Nossa Senhora e a São José, os patronos da castidade, e seguir o conselho de Jesus: “vigiai e orai!” O viúvo, então, que não deseja voltar a casar, tem de fazer uma oblação a Deus do seu estado de vida.
Mas sei que nem todos os viúvos podem ou querem viver assim; então, a Igreja autoriza que se casem novamente, desde que se casem na Igreja, recebendo o sacramento do matrimónio. Sabemos que a morte extingue o vínculo matrimonial, então, o viúvo é solteiro novamente. São Paulo disse que: “A mulher está ligada ao marido enquanto ele viver. Mas, se morrer o marido, ela fica livre e poderá casar-se com quem quiser, contanto que seja no Senhor” (1 Cor 7,39). “Quero, pois, que as viúvas jovens se casem, cumpram os deveres de mãe e cuidem do próprio lar, para não dar a ninguém ensejo de crítica” (1 Tm 5,14)”. “Mas a que verdadeiramente é viúva e desamparada, põe a sua esperança em Deus e persevera noite e dia em orações e súplicas” (1 Tm 5,5).
São Lucas mostra-nos o caso daquela bela viúva de 84 anos, Ana, que com o velho Simeão adoravam o Menino Jesus. “Depois de ter vivido sete anos com o seu marido desde a sua virgindade, ficara viúva, e agora com oitenta e quatro anos não se apartava do templo, servindo a Deus noite e dia com jejuns e orações.” (Lc 2,37).
Soube há dias que uma viúva de 70 anos, de Valença, mãe de três filhos e avó de cinco netos, entrou para um convento de irmãs franciscanas Clarissas contemplativas (fundada em 1212 por Santa Clara de Assis), onde fez votos perpétuos. O seu nome religioso é Célia de Jesus; e, antes de se consagrar vivia para ajudar os pobres. Os seus filhos e netos assistiram. Muitas viúvas tornaram-se santas e ajudaram muito o reino de Deus: Santa Isabel de Hungria, Santa Isabel de Portugal, Santa Ângela de Foligno, Santa Luzia, Santa Paula, Santa Brígida; Santa Rita de Cássia, Santa Helena, etc.. Estas mulheres foram muito importantes para a Igreja. Portanto, os viúvos não têm que enterrar as suas vidas apenas dentro de casa.
Muitos viúvos e viúvas não desejam um segundo casamento, então, é preciso continuar a viver bem. Para os que são cristãos, fica sempre a oportunidade de ajudar os filhos e a família, especialmente se já não precisam de trabalhar profissionalmente. Os nossos filhos e netos precisam da nossa ajuda. A vida moderna é dinâmica e exige muito deles; então, se temos tempo, é um bom serviço prestado a eles e a Deus.
A Bíblia fala muito das viúvas, e como Deus as ama, como no caso da viúva de Naim em que Jesus ressuscita o seu filho (Lc 7,12). E vemos o caso maravilhoso da viúva Judite que salvou o povo de Israel de um massacre: “Judite ficara viúva havia três anos e meio” (Jd 8,4). “Despiu o seu vestido de viúva, para consolação dos que sofriam em Israel. Ungiu o rosto com essência perfumada…” (16,7), e que assim salvou o seu povo da morte.
Uma coisa importante a entender é que na Igreja não há nem aposentados e nem desempregados. Há sempre trabalho no Reino de Deus para quem quer “servir ao Senhor com alegria” (Sl 99,2). Os viúvos e viúvas são pessoas maduras, muitos têm uma boa formação intelectual e podem ajudar muito a Igreja nas pastorais, sobretudo no Batismo, Primeira Comunhão, Crisma e Matrimónio. Os viúvos não podem “enterrar os seus talentos”; pois Deus vai-nos cobrar isto. A Igreja precisa da nossa experiência, dos nossos lábios e das nossas mãos. Quando nos colocamos à disposição de Deus, para O servir, logo Ele nos dá um trabalho adequado à nossa condição. E isto faz-nos felizes.
Hoje posso dizer que trabalho ainda mais do que no tempo em que eu não era ainda viúvo; pois hoje tenho mais tempo para as coisas de Deus. E isto dá-me força, alegria e vida.
O tempo da viuvez, em que normalmente se tem mais tempo, é uma oportunidade de viver mais a vida espiritual, aproveitando o silêncio e a meditação. Nunca como hoje eu me posso dedicar a isto; pois sem isto não é possível servir a Deus com alegria e eficácia. Jesus disse: “Sem Mim nada podeis fazer” (Jo 15,5). Então, gaste o seu tempo estudando a Bíblia, meditando com bons livros, fazendo caridade a quem pode, etc.. Se as pernas do corpo já não são ágeis, lembre-se de que o espírito não tem pernas. Este é o melhor tempo para a nossa vida espiritual crescer.
São Paulo dá-nos um ensinamento preciso na Carta aos coríntios: “É por isso que não desfalecemos. Ainda que exteriormente se desconjunte o nosso homem exterior, o nosso interior renova-se de dia para dia” (2 Cor 4,16). O mais importante é que o nosso espírito cresça para Deus; pois todos nós vamos um dia para Ele. É verdade que nesta idade, os sofrimentos podem aumentar por causa da idade avançada, mas o Apóstolo também nos lembra: “A nossa presente tribulação, momentânea e ligeira, proporciona-nos um peso eterno de glória incomensurável. Porque não miramos as coisas que se vêem, mas sim as que não se vêem. Pois as coisas que se vêem são temporais e as que não se vêem são eternas”. (2 Cor 4,17).
Afinal, todos nós temos de nos preparar para a morte, que não é uma tragédia, mas um encontro com o Senhor que nos ama. Santa Teresinha dizia: “Eu não morro, entro para a vida”. A Carta aos Hebreus lembra-nos uma coisa muito importante: “Procurai a paz com todos e a santidade sem a qual ninguém pode ver o Senhor” (Heb 12,14). Isto quer dizer que ninguém entra no Céu sem ser santo; pois Deus é Santo, Santo, Santo. Então, devemos aproveitar esta bela idade dos cabelos brancos para buscar com mais determinação a santidade que nos abre as portas do Céu.
Mas eu cuido da minha saúde para viver bem, faço ginástica, caminhadas, ouço boas músicas, alimento-me bem, para poder estar saudável e servir melhor a Deus e aos outros, não apenas para viver mais.
Agora é tempo de rezar mais, eliminar os pecados que ainda não vencemos (soberba, orgulho, exibicionismo, gula, ira, inveja, maledicência, mentiras…) e amar mais as pessoas porque a “caridade é o vínculo da perfeição”. Não há nada mais triste do que um ancião sem juízo ou um jovem sem alegria.
Nada podemos levar para a outra vida; então, é tempo também de desapego das coisas materiais, do dinheiro. O Papa Francisco disse que nunca viu um caminhão de mudanças atrás de um enterro. Então, este é um tempo, como disse Jesus, de “dar de graça o que recebemos de graça” (Mt 10,10).
Qualquer que seja o nosso estado de vida, podemos ser felizes se vivermos em Deus e para Deus.