A família, escola de valores
A família é primordial nos valores que regem a nossa vida e a nossa história. Vejamos algumas riquezas e também alguns obstáculos que encontramos na vida familiar hoje.
Tratando-se dos problemas do mundo actual, a família é, sem dúvida, um dos mais preocupantes. Sobre ela pesa a ameaça da degenerescência dos valores fundamentais, que as gerações passadas nos transmitiram, e que hoje são deixados à deriva ou, até, proscritos como nocivos.
Distanciando-se dos modelos de relação conjugal, paterna e filial que a própria Sagrada Escritura ensina, vemos surgirem associações humanas, das mais disparatadas, rotulando-se como famílias, segundo formas supostamente novas, “pós-modernas”. Neste quadro, é evidente o desprezo pelos princípios de convivência, próprios da dignidade do ser humano.
Um exemplo clássico do perigo que assedia constantemente a união familiar, desejada e constituída por Deus, é o divórcio. O cônjuge, mesmo que contrário à separação, vê-se obrigado a aceitá-la, mediante decisão judicial que, buscando resguardar a liberdade de alguém, condena o outro à desagregação da própria vida. Esta é uma injustiça que clama contra a dignidade da pessoa humana.
O Matrimónio requer, antes de mais nada, vocação. Muitos pensam que ele seja a única via para a realização afectiva do ser humano. Pelo contrário, nem todos têm vocação para o Matrimónio, mas aceitam-no como o cumprimento de uma “obrigação social”, para a qual não se encontram dispostos nem preparados. Infelizmente, desconhecem as alegrias do celibato, que encaminha o ser humano a desabrochar no amor, mediante uma vida toda consagrada a Deus e aos irmãos, sem exclusivismos, mas dedicada a todos.
Quando se fala de Matrimónio, o essencial é o amor de um pelo outro, sentimento que transcende a paixão, e sobrevive “na alegria e na tristeza, na saúde e na doença...”. Não apenas sobrevive, mas amadurece, aprofunda-se, robustece-se para além da atracção mútua, embora esta seja ingrediente importante na vida a dois.
Alguns aspectos, que não esgotam o significado do Matrimónio, mas, ao menos, o delineiam: vida em comum, partilhada no amor e alicerçada na fidelidade; os mesmos ideais e a luta para concretizá-los no apoio mútuo; abertura ao dom da vida, pelo acolhimento da paternidade/maternidade responsável. Quem não se sente chamado a realizar tais exigências, não tem vocação para o Matrimónio ou, pelo menos, não está preparado para assumi-lo.
Os filhos são outra questão gravíssima. Quem, por opção, exclui a prole do seu projecto de vida matrimonial não se casa validamente: o Matrimónio é nulo, segundo a lei da Igreja. Existem muitas outras causas de nulidade. Quero apenas alertar para a seriedade de um vínculo que só se realiza validamente mediante disposições bem definidas. Não se trata de uma experiência do tipo que pode, ou não, “dar certo”. E tais valores, muitas vezes, não são levados em conta, quando não há vocação para o Matrimónio.
Evidentemente, não é preciso ter uma multidão de filhos, mas somente os que se possa educar com dignidade. Por outro lado, há os que querem um filho só, para lhe dar tudo o que não tiveram. Cuidado: quem dá ao filho tudo o que ele quer, vai ter dele o que não espera. Marque-se bem isto. Como quer que seja, o importante é acolher quantos Deus quiser enviar, o que não impede um planeamento familiar responsável, baseado nos métodos que a Igreja aprova e ensina.
O Papa João Paulo II, concluindo a Exortação Apostólica sobre a Família (Familiaris Consortio), escreveu: “O futuro da humanidade passa pela família”. E o Papa acrescentou: “O futuro da Igreja e o da religião também passam pela família”. Isto é uma grande verdade, porque o amor autêntico, que deve perpassar as gerações, brota, floresce e frutifica na família, sob a forma dos mais preciosos valores que conhecemos.
Outra ameaça à estabilidade familiar, é a falta de recursos para a sua sobrevivência digna. Em muitos casos, trata-se de situações de miséria, que assolam grande parte do mundo e, infelizmente, do nosso país, e até da nossa cidade. Diz o Papa: “Merece também a nossa atenção o facto de que, nos países do assim chamado Terceiro Mundo, faltem muitas vezes às famílias quer os meios fundamentais para a sobrevivência, como o alimento, o trabalho, a habitação, os medicamentos, quer as mais elementares liberdades. Nos países mais ricos, pelo contrário, o bem-estar excessivo e a mentalidade consumista, paradoxalmente unida a uma certa angústia e incerteza sobre o futuro, roubam aos esposos a generosidade e a coragem de suscitarem novas vidas humanas: assim a vida é muitas vezes entendida não como uma bênção, mas como um perigo de que é preciso defender-se” (FC n°6).
Compreende-se como, em ambas as situações, as famílias necessitem de justiça e solidariedade, seja a partir da sociedade em que se encontram, seja a partir do seu próprio interior, como celeiro de valores cristãos e humanos. E a solidariedade deve levar à fraternidade. Mas, ou se aprende a solidariedade e a fraternidade, em casa, na família, ou não se aprende mais. Na rua, é impossível, e a escola, mesmo sendo boa, será apenas uma extensão da família.
Quanto mais a família viver a solidariedade e a busca do bem comum, tanto mais será abençoada. Isto não significa uniformidade de opiniões. É muito saudável quando os filhos adolescentes começam a questionar os pais, e estes se abrem ao diálogo, oportunidade excelente para transmitirem os valores que vivenciam na maturidade.
As rixas “ideológicas” entre irmãos também são comuns.
A família deve ser, também, a primeira e mais profunda escola de oração. A oração que se aprende no colo materno, no seio da família, essa é que persiste. Pode-se aperfeiçoar com o estudo, no contacto com palavras mais eruditas, tudo isto é óptimo. Mas se não tem a base na vivência familiar, será sempre algo artificial. Lembro-me sempre de como meu pai e minha mãe rezavam. Eram pessoas com autêntica vida de oração, que nos deixaram preciosos exemplos a este respeito.
Uma das experiências mais dolorosas para mim foi ver a minha família dispersar-se. Isto deu-se em consequência do amadurecimento natural, levando-nos a diferentes caminhos, nas respectivas missões que assumimos. Mesmo assim, foi difícil. Hoje, moramos distantes uns dos outros, mas isto não diminuiu a nossa união.
O grande amor que sempre tive à minha família, eu gostaria de transfundir a todos os amigos e amigas, para que o conservem entre os maiores valores, as maiores alegrias e as maiores realizações em suas vidas. E peçamos a Deus Pai, a Jesus nosso irmão, e ao Espírito de Amor que tornem as nossas famílias unidas, observantes das coisas mais santas e dedicadas a autênticos ideais. Pois, é tarefa da família cristã “formar os homens para o amor e educá-los a agir com amor em todas as relações humanas, de modo que o amor fique aberto à comunidade inteira, permeado do sentido de justiça e de respeito para com os demais, consciente da própria responsabilidade para com a mesma sociedade” (FC n°64).