Homilia do Bispo de Leiria-Fátima na Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo
É belo celebrar hoje, no coração da cidade, a festa do Corpo e Sangue do Senhor, como um grande povo aqui congregado por Ele dos quatro cantos da diocese, unido e reunido no Seu amor. Na comunhão deste único amor dou as boas vindas e saúdo fraternalmente a todos vós do fundo do coração.
Em cada domingo celebramos, na verdade, o mistério do Corpo e Sangue do Senhor. E todavia a Igreja dedica dois dias especiais a este mistério da fé, ao longo do ano litúrgico: a quinta-feira santa e, no fim do tempo pascal, esta quinta-feira da festa do Corpo de Deus.
Na quinta-feira santa meditamos o mistério da Eucaristia mais na intimidade do cenáculo, como o dom por excelência do testamento de Jesus, o sacramento do amor da Sua paixão, morte e ressurreição.
Na solenidade do Corpo e Sangue do Senhor, o mesmo mistério é celebrado mais na sua dimensão eclesial e cósmica: como mistério que alimenta e constrói a comunidade dos fiéis, como mistério que está no coração do mundo. Por isso, esta festa é caracterizada pela grande procissão citadina que realizaremos esta tarde para reafirmar os laços entre a eucaristia e a humanidade, entre a eucaristia e a cidade.
Pão partido para a vida do mundo
A passagem do Evangelho que escutámos é extremamente iluminadora e inspiradora. Ao cair da tarde daquele primeiro dia da semana, os dois discípulos de Emaús sentiram-se surpreendidos e confortados na sua tristeza por um Viajante misterioso, que se fez seu companheiro de viagem e cujas palavras lhes faziam arder o coração. E da boca dos discípulos saiu aquela tão espontânea quão simples e esplêndida invocação: “Fica connosco, porque se faz tarde”. Depois, sentados ao redor da mesa para a ceia, abriram-se-lhes os olhos e reconheceram-no “ao partir do pão”. Era realmente o Senhor ressuscitado! Que emoção, que comoção, que alegria inimaginável deve ter invadido os seus corações! É Ele! Ali presente, à mesa!
Desde então, aquele Viajante misterioso ficou sempre com os homens, fez-se companheiro do seu caminho ao longo da história para confortá-los e guiá-los, para corrigi-los e desfazer a dureza dos seus corações. Multiplicaram-se as casas dos discípulos e, em cada uma delas, Jesus continua a tomar o pão e a parti-lo para todos. Aquele pão partido tornou-se alimento e sustento para o caminho dos crentes, tornou-se Pão para a vida do mundo que é o próprio Cristo em pessoa, como Corpo dado e Sangue derramado em todo o Seu infinito amor.
Cristo atravessa a cidade
Na tradição deste dia da Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo, a eucaristia atravessa as ruas e as praças das cidades e aldeias, adornadas de flores. É justo fazer festa à passagem do Senhor e é oportuno e significativo que se faça publicamente. Não só cada um de nós em particular tem necessidade do Senhor na sua intimidade. Também a nossa sociedade, as nossas cidades e toda a vida associada tem necessidade de um homem como Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem. Temos necessidade de que o Senhor continue a caminhar pelas nossas ruas como fazia nos anos da sua vida terrena.
Ele é o único capaz de falar ao nosso coração por vezes triste e desanimado como o coração dos dois discípulos de Emaús;
O Único em condições de acompanhar os nossos passos no difícil caminho da vida;
O Único que sabe comover-se pelas multidões deste mundo tantas vezes abandonadas ao seu destino triste;
O Único que sabe cuidar de nós e curar os nossos sofrimentos e as nossas feridas íntimas;
O Único capaz de dar luz, conforto, alegria e paz;
O Único capaz de corrigir com paciência o nosso modo de viver mesquinho, egoísta e avaro;
O Único capaz de nos atrair, de nos aproximar uns dos outros, de nos reconciliar e unir para além das diferenças e divisões e abrir caminhos de paz e de concórdia.
Aquele que se faz “pão partido” não tem necessidade de multiplicar as palavras. Fala por si. Fazendo-se alimento para todos, mostra-nos até onde chega o infinito amor de Deus. Atravessa as ruas das nossas cidades e aldeias, não propriamente para receber um tributo exterior de homenagem, mas para atravessar os caminhos do nosso coração, das nossas relações, dos nossos encontros e desencontros e tornar-nos mais semelhantes a Ele, para que tenhamos os mesmos sentimentos do Seu coração. E assim descobre-nos a grandeza e a beleza da nossa vocação de cristãos no mundo. Por isso lhe dirigimos a nossa oração com as palavras do Papa João Paulo II, de santa memória:
Jesus crucificado e ressuscitado, fica connosco!
Fica connosco, amigo fiel e apoio seguro da humanidade
Peregrina pelos caminhos do tempo!
Tu, Palavra viva do Pai, infunde confiança e esperança
A quantos buscam o verdadeiro sentido da sua existência.
Tu, Pão de Vida eterna, alimenta o homem
Faminto de verdade, de liberdade, de justiça e de paz.
Também nós, homens e mulheres do terceiro milénio,
Temos necessidade de Ti, Senhor ressuscitado!
Fica connosco agora e até ao fim dos tempos.
Ajuda-nos, nós Te pedimos, no nosso caminho.
Nós acreditamos em Ti, em Ti esperamos,
Porque só Tu tens palavras de vida eterna.
Fica connosco, Senhor! Aleluia!
Leiria, 7 de Junho de 2007
†António Marto, Bispo de Leiria-Fátima