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Natal

O Presépio cheira mal

O PRESÉPIO CHEIRA MAL

 

Quando viciamos as nossas crianças nos presépios fofinhos, perfeitinhos e perfumados, estamos a negar-lhes a grande lição da manjedoura e do estábulo: Deus vem ao mundo num local miserável.

Quando estamos no campo e por acaso passamos junto de estábulos ou currais, faço sempre questão de alertar para uma evidência bíblica que é difícil de entender na bolha asséptica da cidade: “Jesus nasce num sítio assim, com este cheiro e tudo”. Convém sempre recordar que o presépio não é um arranjo floral, é um curral que cheira mal. Jesus nasce no meio do esterco nauseabundo de animais. Quando viciamos as nossas crianças nos presépios fofinhos, perfeitinhos e perfumados, estamos a negar-lhes a grande lição da manjedoura e do estábulo: Deus vem ao mundo num local miserável. É esta a sua radical humildade. Quando permite o cruzamento entre a sua trajectória eterna e a nossa trajectória histórica, Deus escolhe para intersecção destas duas linhas temporais um local que é a negação das nossas lógicas de poder. Deus todo-poderoso recusa nascer como príncipe num palácio, como mercador numa mansão ou como general num castelo. Ao nascer na periferia da periferia, entre os clandestinos dos clandestinos, Ele diz-nos logo à partida que o Reino não se rege pelas lógicas óbvias do poder e da natureza. O Reino não tem a gramática da natureza, até porque o homem não é um mero animal.

Esta revolução moral ainda hoje não é compreendida em absoluto até por nós, cristãos, tal é a magnitude da revelação. Mas então Deus nasce num estábulo? Que jeito é que isso tem? Então Ele nasce junto de pastores, num curral feito de madeira não trabalhada, rude, com lascas e farpas nada acolhedoras e com um chão composto por uma pasta de lama, palha, esterco e urina? E aparece sozinho? Onde é que estão os exércitos celestiais de serafins e querubins que poderiam facilmente vencer as quadrigas dos corruptos e tiranos? Então o berço do Deus omnipresente e omnisciente é uma manjedoira onde os animais comem? A verdade é que Deus não quer saber do nosso escândalo incrédulo. Ela entra na história no mais absoluto desprezo pelas regras da nossa verosimilhança. É um Deus inverosímil. A fonte da nossa fé é esta radical, bela e verdadeira inverosimilhança.

O desafio às nossas grelhas de leitura continua no perfil que Ele escolhe para si mesmo. Deus não vem ao mundo já formado, qual titã, qual Adamastor ou Golias; vem ao mundo na forma de um bebé indefeso. O Deus que criou as leis da física que sustentam os anéis de Saturno e que movimentam os gases de Andrómeda é o Deus que escolhe ser a criatura mais frágil e desprotegida de todo o universo, uma criatura que nasce sem garras ou carapaças e que demora anos até atingir um módico de independência, uma criatura que pode ser destruída pelos homens, por um homem, por mim, por si, caro leitor. Mas que Deus omnipotente é este? O que está Ele a dizer? Está a dizer-nos que a gramática certa não é a acumulação vertical de poder, mas sim a partilha horizontal de misericórdia. Não há senhores e súbditos, só irmãos. A salvação não depende da acumulação de dinheiro (poder material) ou de honrarias ou hierarquias snobes (poder social). Não vale a pena ter uma lógica snobe ou arrivista, porque a salvação não se joga na conquista vertical da pirâmide social. Logo no presépio, e mais tarde no lava pés, Jesus representa a suspensão das leis físicas, objetivas e mensuráveis do poder. Ou seja, Jesus é a suspensão das leis da natureza, a começar na predação. “Então o lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo deitar-se-á ao lado do cabrito; o novilho e o leão comerão juntos, e um menino os conduzirá” (Is 11, 6). É uma ironia de Deus – mais uma - que esta suspensão das leis da natureza no seio dos homens seja consumada num local tão empestado pelos cheiros naturais.

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