Público, 2008/10/27
O que está em causa não é o médico promover a morte dos doentes terminais - é tratar as dores que tenham. Ciclicamente, os políticos, ou quem serve os objectivos dos políticos no poder, ressuscitam a "questão" da eutanásia como uma grande questão nacional, a carecer, pasme-se, de ser referendada pelo povo português. É preciso perguntar aos portugueses, em referendo, se eles querem ser mortos pelos médicos! A possibilidade de um médico matar um doente que lhe pede para ser morto é, exclusivamente, uma questão da prática clínica dos médicos.
Não é uma questão social, nem política, nem religiosa. Se os
médicos acharem que, além de tratarem as pessoas doentes, também as podem
matar, então, sim, há uma questão política e jurídica, pois é preciso impedir
que o façam e puni-los se o fizerem. Invoca-se um argumento inteiramente falso:
o de que quase metade dos médicos oncologistas portugueses estariam dispostos a
matar os seus doentes incuráveis, se estes lhes pedirem.
Para honra dos oncologistas portugueses, e pelo respeito que
todos me merecem, afirmo aqui, sem receio de contestação, que este número e
esta percentagem são falsos e foram extraídos de uma publicação sem o mínimo
rigor metodológico e científico e, portanto, sem qualquer valor ou
credibilidade. Matar um doente é uma decisão da maior gravidade. E é de máxima
gravidade se este homicídio for praticado por um Médico.
O que está, verdadeiramente, em causa não é o médico promover a morte dos doentes terminais; é tratar de forma correcta as dores que eles tenham ou o sofrimento que apresentem. E não fazer sofrer os doentes com tratamentos desproporcionados e inúteis, obstinando-se em intervenções que para nada servem e tiram ao doente o bem-estar possível e o acesso a uma morte digna. É conseguir dar a todos os portugueses – e não apenas aos que os podem pagar – cuidados médicos personalizados e tecnicamente adequados até ao momento da morte. Em vez de os abandonar ou de insistir em tratamentos que são já inúteis. E isto, sim, é que é um problema político nacional a carecer de resposta urgente.
Se querem fazer um referendo coloquem aos portugueses esta
pergunta:
"É a favor de que todos os doentes, em fase terminal,
tenham cuidados paliativos de qualidade, pagos pelo Serviço Nacional de
Saúde?"
Antecipo a resposta: 100 por cento a favor.
E a dita "questão nacional" da eutanásia fica
esvaziada e sem qualquer sentido.
Daniel Serrão – Membro do Conselho Consultivo do Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa