Eutanásia
Diferença entre eutanásia e limitação do esforço terapêutico
- 15-03-2009
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O que determina a diferença entre eutanásia e limitação do esforço terapêutico é a presença ou não da intenção de matar, explica uma médica chilena.
Segundo a Dra. Paulina Taboada, que é membro da Pontifícia Academia para a Vida (PAV), a presença da intenção de causar a morte é algo específico da eutanásia.
Em conferência no congresso internacional «Pessoa, cultura da vida e cultura da morte», a médica citou os casos da menina Hannah, na Inglaterra, e de Eluana, na Itália, para exemplificar a diferença entre eutanásia e limitação terapêutica.
Hannah, 13 anos, sofre de leucemia. A quimioterapia comprometeu gravemente o seu coração. Ela recusou-se a ser submetida a um transplante de coração, porque a cirurgia tinha poucas chances de sucesso e, mesmo se bem-sucedida, exigiria cuidados médicos intensivos. Ela pediu para morrer com dignidade.
Já no caso de Eluana, o seu pai travou longa batalha na justiça italiana para conseguir autorização de suspender a alimentação e hidratação que mantém viva a sua filha, de 37 anos, e em estado de coma desde 1992 devido a um acidente de trânsito.
Neste caso de Eluana, «se é limitação de esforço terapêutico, a minha resposta é: não. Há a intenção de causar a morte ao suspender algo que a manteria com vida numa situação crónica».
Já em relação ao caso de Hannah, «que os jornalistas estão convencidos de que é eutanásia, eu digo: não, este é um caso de legítima limitação de esforço terapêutico e pode-se recusar um transplante de coração que não oferece a garantia de preservar a vida, como seria a situação ideal».
Avaliação
Noutra conferência do congresso, mons. Maurizio Calipari, sacerdote italiano membro da PAV, explicou três aspectos do «dinamismo de avaliação» a respeito dos possíveis meios de tratamento médico de doentes graves.
Há a avaliação dos factores objectivos, responsabilidade da equipa médica; a avaliação dos factores subjectivos, por parte do paciente ou do seu responsável; e o juízo de síntese, que é «uma decisão moralmente adequada e operativa, prática».
«A avaliação objectiva considera os elementos de carácter técnico e médico. É medida com os instrumentos técnicos disponíveis e feita pela equipa médica, sendo a sua tarefa específica».
O segundo ponto diz respeito ao paciente ou ao seu responsável legítimo, que deve avaliar se há factores que ele considera extraordinários no tratamento que lhe é disponibilizado.
Primeiramente, a equipa médica «avalia se o emprego do meio é proporcionado ou desproporcionado», ou seja, «se é adequado ao objectivo médico». Depois, o paciente deve analisar as condições de «ordinariedade e extraordinariedade».
Já o juízo de síntese, na adequação das considerações do campo médico e do paciente, dirá se os meios de tratamento são «obrigatórios, opcionais ou ilícitos».
Os velhos do Restelo, os jovens turcos e a eutanásia
José Cardoso da Silva
Médico oncologista, ex-Director clínico do Instituto Português de Oncologia do Porto e ex-Presidente da Liga Portuguesa contra o Cancro
Walter Osswald
Professor aposentado da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Publicado no jornal “Notícias Médicas” em 3.12.2008
A questão da eutanásia é tão velha como a própria reflexão ética sobre o agir humano e representa, consabidamente, um problema persistente na Bioética, para recorrer a uma designação proposta por Volnei Garrafa. De tempos a tempos, porém, sofre uma agudização, tomando sobretudo a forma mediática dos relatos emocionalmente tingidos de casos limite (dois na Espanha, um na França, um no Reino Unido) que obrigariam a uma renovação revolucionária do enquadramento legal da prática da eutanásia. Assim, neste contexto, surge uma proposta de consulta popular, sob forma de referendo, destinada a averiguar do sentido da opinião pública quanto à liceidade da morte provocada deliberadamente pelo médico, dando satisfação a um pedido insistente do seu doente, ao menos em situações ditas excepcionais. Perante esta a nosso ver insólita proposição, entendemos dever tomar uma clara e breve posição:
1. A vida humana é um valor constitucionalmente protegido: a lei fundamental afirma a sua inviolabilidade. Por isso, matar, seja em que condições for, constitui um grave atentado, sempre punível.
2. O símile com o abortamento provocado não colhe: a prática deste não foi considerada inconstitucional, por não se tratar, no entendimento maioritário dos membros do Tribunal Constitucional, de uma vida humana plenamente realizada (a não concordância com esta interpretação, que partilhamos com tantos outros, não põe em causa a validade da decisão do Tribunal).
3. A experiência dos países (Holanda e Bélgica) e do estado do Orégão, onde a eutanásia e/ou o suicídio assistido são admitidos pela lei, é abundante e prova que a adopção de regras que deveriam garantir a excepcionalidade da medida eutanasiante não evitou, em muitos casos, que fossem mortos indivíduos incapazes ou comatosos, e também crianças, sem pedido expresso nem consentimento e com base na solicitação apresentada por familiares ou tutores (ou até instituições de acolhimento).
4. Essa mesma experiência provou que os motivos invocados para a aplicação da eutanásia só muito excepcionalmente diziam respeito a situações dolorosas, predominando largamente os de cariz psicológico e social (cansaço de viver, solidão, falta de suporte emocional, desejo de não sobrecarregar os familiares, etc.). Ora, todas estas situações podem e devem ser corrigidas através da intervenção médica ou social.
5. De acordo com estes dados objectivos está a larga experiência clínica de um de nós (J.C.S.) que, em milhares de casos de doença oncológica com desfecho fatal, só em situações raríssimas foi confrontado com pedido de eutanásia; sempre foi possível dissuadir o(a) doente, discutindo com ele(a) a situação, com respeito e compreensão, e traçando estratégias que, adoptadas, lhes permitiram percorrer com serenidade a última etapa da vida.
6. As dores intoleráveis, causadas por exemplo por situações neuropáticas de origem tumoral ou outra, são hoje tratáveis por terapias farmacológicas ou cirúrgicas e perfeitamente manejáveis pelas Unidades de Dor e pelos já numerosos médicos com particular competência nesta área fulcral, pelo que perde relevância a alegada existência de situações dolorosas intratáveis.
7. A classe médica, no seu conjunto, sempre recusou ser executora de pedidos de eutanásia, como se consigna no Juramento de Hipócrates, farol da deontologia médica há mais de mil e 500 anos, e no actual Código Deontológico, recentemente aprovado por unanimidade pelo Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos.
8. Os nossos doentes terminais têm direito a uma morte digna, medicamente assistida os cuidados paliativos, que urge desenvolver e alargar a todo o país, facultando acesso a todos os que deles necessitem, constituem uma solução para os raros casos de pedido de eutanásia e a sua implementação constitui um imperativo ético e serviço público ao bem comum. Por todas estas razões, concluímos que não há necessidade ética de tornar lícita a eutanásia, nem de proceder a um referendo, mas antes de proceder à urgente implementação de uma rede de cuidados paliativos capaz de enfrentar os problemas de quem sofre, na fase final de uma vida. Esta é a morte assistida a que todos temos direito:assistida por médicos e outros profissionais de saúde e, onde for possível, por familiares, amigos, ministros da religião professada, pessoas capazes de compaixão e solicitude.
Estas posições, que convictamente defendemos, classificam-nos, aos olhos de alguns, como velhos do Restelo, que fazem todos os esforços para que nada mude; para outros seremos talvez jovens turcos (nas ideias, não na idade) que tudo querem mudar (no tratamento da dor, no relevo atribuído aos cuidados paliativos, na compreensão do estado terminal pelos profissionais de saúde). Não importa, nem estamos dispostos a entrar em polémicas pouco produtivas e eivadas de (des)considerações pessoais; preferimos depor nesta causa nobre, com serenidade e convicção: a eutanásia não serve os interesses de ninguém.