Tens zelo pela Oração?Bons motivos para ter! É sumamente necessário que exerça o seu espírito no zelo contínuo da oração e devoção, porque a pessoa não devota e tíbia, que não pratica assiduamente a oração, não somente é miserável e inútil, mas, diante de Deus, traz uma alma morta num corpo vivo. A virtude da oração é tão eficaz que só ela vence as tentações e armadilhas do inimigo maligno, que é o único a impedir o voo da alma ao céu. Não é de admirar que sucumba muitas vezes miseravelmente às tentações quem não nutrir assiduamente o zelo da oração. Por isso, diz Santo Isidoro: “A oração é o remédio para quem sente o fogo das tentações dos vícios: quantas vezes és tentado por algum vício, tantas vezes recorre à oração, porque a oração frequente rebate as impugnações dos vícios”. A mesma coisa diz o Senhor no Evangelho: “Vigiai e orai para não cairdes em tentação”. Tanta é a virtude da oração devota, que com ela o homem pode alcançar tudo e em qualquer tempo: no inverno e no verão, nos dias serenos e de chuva, de noite e de dia, nos dias de festa e nos dias úteis, na saúde e na doença, na juventude e na velhice, estando de pé, sentado ou a andar, no coro ou fora do coro. Às vezes, numa só hora de oração, ganha mais do que vale todo o mundo, porque com módica oração devota, ganha o homem o Reino dos Céus. Para que, porém, saibas como deves orar e que qualidades a oração deve ter, informar-te-ei na medida em que o Senhor me inspirar, embora neste assunto eu mais careça de informações que tu. Sabe, pois, que para uma perfeita oração três coisas são necessárias. A primeira é que quando te entregas à oração, com o corpo e o coração levantado e com os sentidos fechados, reflictas, sem ruído, com um coração amargurado e contrito sobre todas as tuas misérias, isto é, sobre as tuas faltas presentes, passadas e futuras. Primeiro, portanto, deves solicitamente reflectir quantos e quão graves pecados cometeste no decurso de toda a tua vida, quantos e quão grandes bens omitiste, quantas e quão grandes graças do teu Criador perdeste. Também deves pensar quão longe te afastaste de Deus pelo pecado quanto pelo contrário, nalgum lhe estavas tão perto; quão dissemelhante de Deus te tornaste, quando nalgum tempo lhe estavas muito semelhante; quão belo eras algum tempo na alma, quando agora és muito feio e impuro. Deves meditar para onde vais pelo pecado, isto é, para as portas do Inferno; o que te espera, isto é, o dia tremendo do juízo; o que te será dado por tudo isto, isto é, a morte eterna no fogo. Por tudo isto continuamente bater no peito como o publicano, 1) suspirar; 2) com o profeta David, e com lágrimas lavar os pés do Senhor Jesus Cristo com Santa Maria Madalena. Nem deves impor medidas às tuas lágrimas, porque sem medida ofendeste o teu amado Jesus. É isto o que diz santo Isidoro: “Quando em oração nos achamos diante de Deus, devemos gemer e chorar, recordando quão grave é o que cometemos, quão duros os suplícios do Inferno que tememos”. Estas pungentes meditações devem formar o princípio da tua oração. O segundo que à esposa de Deus é necessário na oração é a acção de graças, isto é, que com toda humildade dê graças a seu Criador pelos benefícios recebidos e ainda a receber. Isto aconselhou São Paulo Apóstolo, aos Colossenses, no capítulo quarto de sua epístola, dizendo: “Perseverando na oração, velando nela com acção de graças”. Não há nada que torne o homem tão digno das dádivas divinas como o contínuo agradecimento pelos dons recebidos. Por isso escreve Santo Agostinho a Aurélio: “Que de melhor poderíamos sentir no coração, manifestar com palavras e exprimir com a pena do que graças a Deus”. Quando, portanto, estás em oração, medita entre acções de graça, que Deus te fez homem; que te fez cristão; que te perdoou inúmeros pecados; que em muitos pecados teria caído, se o Senhor não te houvesse protegido; que não permitiu morreres no mundo, mas te chamou a uma religião altíssima e perfeitíssima que te apascentou sem trabalho teu. Medita que por ti se fez homem, foi circuncidado e batizado. Por ti se tornou pobre e nu, humilde e desprezado. Por ti jejuou, teve fome e sede, trabalhou e se fatigou; por ti chorou, verteu suor de sangue, te alimentou com teu santíssimo corpo e te deu a beber o seu preciosíssimo sangue. Por tua causa foi esbofeteado, coberto de escarros, escarnecido e atado. Por ti foi crucificado, chagado, morto de morte torpíssima e amaríssima. Tudo isto sofreu para a tua salvação. Foi sepultado, ressurgiu, subiu aos céus, enviou o Espírito Santo e prometeu dar a ti e a todos os eleitos o reino dos céus. Tal acção de graças, feita na oração, é sobremodo útil, nem tem valor, sem ela, qualquer oração. Pois, “a ingratidão, como diz São Bernardo, é um vento ardente que seca a fonte da piedade, o orvalho da misericórdia e o rio da graça”. Colocar o coração na oração O terceiro que necessariamente se exige para uma oração perfeita é que o teu espírito não pense, durante a oração, em outra coisa senão aquilo que oras. Seria muito inconveniente falar alguém a Deus com a boca e se ocupar com outra no coração; dirigir, por assim dizer, a metade do coração ao céu, e reter a outra metade na terra. Semelhante oração jamais será atendida pelo Senhor. Por isso diz a interpretação de Lyrano das palavras do Salmo: “Clamei de todo o meu coração; atendei-me, Senhor: ‘um coração dividido não alcança coisa alguma’”. Deve, pois, a serva de Deus, no tempo da oração, afastar o seu coração de todos os cuidados exteriores, de todos os desejos mundanos e de todas as afeições carnais, dirigi-lo ao seu intimo e levantar todo o coração e toda a alma somente a quem dirige a sua oração. Este conselho te dá o teu Esposo Jesus no Evangelho dizendo: “Tu, porém, quando orares, entra no teu aposento, e, cerrada a porta, ora a teu Pai”. Então terás entrado no teu aposento, quando tiveres encerrado no íntimo de teu coração todas as cogitações, todos os desejos, todas as afeições; então terás fechado a porta, quando tão diligentemente guardares o teu coração que nenhuma cogitação fantástica te possa impedir na devoção. “A oração, explica Santo Agostinho, é a direcção da alma a Deus por um afecto devoto e humilde”. Ouve, bem-aventurada madre, serva de Jesus Cristo e inclina o teu ouvido às palavras da minha boca. Não te deixes enganar, não te deixes iludir, não percas o grande fruto da tua oração, não percas a suavidade nem a doçura que deves haurir na oração.
A quem deseja ardentemente tornar-se perfeito…