Mesmo sem registos históricos confiáveis a seu respeito, ele
é um santo muito popular na Igreja há séculos
Invocado desde a Idade Média contra a peste e venerado como
padroeiro dos inválidos e cirurgiões, São Roque também é considerado por
algumas comunidades católicas como protector do gado contra doenças
contagiosas, bem como amigo dos cães. O que há em comum entre estas situações
todas é o contexto de doença e saúde: mas por quê?
Uma vida envolta em lendas
Não há praticamente nada de historicamente comprovado a
respeito deste santo, popularmente celebrado em 16 de Agosto. Até o verdadeiro
nome dele é um enigma, já que “Roch” seria na verdade o seu sobrenome. Até as
datas em que ele teria vivido apresentam variações chamativas, com o nascimento
estimado entre 1295 e 1350 e a morte entre 1327 e 1390. Roque teria nascido em
Montpellier, na França; e a sua morte poderia ter ocorrido na mesma cidade,
segundo algumas versões, ou na região italiana da Lombardia, segundo outras.
Contam as tradições populares que Roque era filho de um
mercador chamado João, da elite de Montpellier e, portanto, herdeiro de uma
fortuna considerável. As lendas acrescentam que ele teria nascido com um sinal
em forma de cruz avermelhada no peito e ficado órfão de pai e mãe ainda na
infância, tendo a sua educação confiada a um tio. O jovem teria começado a
estudar medicina na sua cidade natal, sem, porém, terminar os estudos:
preferindo adotar uma vida ascética ao serviço dos mais pobres quando tinha cerca
de 20 anos, o rapaz teria distribuído todos os seus bens aos necessitados
exceto uma pequena quantia, entregue ao seu tio educador. Em seguida, teria
partido em peregrinação a Roma.
Nessa viagem, chegou à cidade italiana de Viterbo quando a
grande epidemia da Peste Negra assolava a região, em 1348. Voluntariou-se no
atendimento aos enfermos e moribundos, contexto em que lhe são atribuídos
milagres de cura. Onde quer que surgissem focos de peste, lá estaria Roque ajudando
os doentes e revelando-se cada vez mais como místico e taumaturgo.
Depois de passar um período em Roma, ele próprio se teria
visto contagiado pela peste no seu trajeto de volta à França. Para não
contagiar alguém, diz a lenda que Roque se isolou num bosque perto de Viterbo,
onde teria morrido de fome se não fosse graças a um cão que diariamente lhe
trazia um pão, e uma fonte de água que teria brotado da terra. O cão pertencia
ao rico Gottardo Palastrelli, que teria sido convertido por Roque, renunciando
à má vida que levava até então.
Curado milagrosamente, Roque foi preso ao regressar a
Montpellier e levado à presença do governador, que, na versão de alguns
hagiógrafos, seria o seu próprio tio materno, que declarava não o conhecer.
Considerado espião e encarcerado durante anos até morrer, esquecido por todos,
Roque só teria sido reconhecido depois de morto, por causa da cruz de nascença
que tinha no peito.
A sua fama de santidade espalhou-se primeiro pelo Sul da
França e pelo Norte da Itália. Passou a ser invocado em situações de epidemia
como intercessor contra a peste. Um milagre póstumo atribuído a ele é a cura do
seu próprio carcereiro, um coxo de nome Justino: ao tocar com a perna no corpo
de Roque para verificar se estava morto, ele teria recebido na hora a cura da
perna.
Canonizado “pelo povo”
A canonização de São Roque decorreu da devoção popular e não
de decisão eclesiástica, facto relativamente comum na Idade Média. A primeira
decisão oficial da Igreja sobre o culto a São Roque aconteceu em 1414, durante
o Concílio de Constança: uma epidemia de peste levou os padres conciliares a
autorizarem as preces e procissões populares em sua honra, cessando-se, em
pouco tempo, o contágio. O papa Urbano VIII aprovou os ofícios eclesiásticos
para serem recitados a 16 de Agosto, dia da sua festa.
Como os cães chegaram a ser associados à cura de doenças
humanas em virtude de propriedades atribuídas à sua lambida, que sanaria
ferimentos, São Roque passou a ser costumeiramente retratado junto ao seu fiel
cão.