Os ditados populares são sabedorias inscritas na vida do
povo, fonte incontestável de referências e têm a força pedagógica necessária
para importantes correcções. Por isso mesmo, é oportuno lembrar, aqui, um
ditado popular recitado, em muitas oportunidades, por velha amiga com longa
experiência de vida, o que lhe confere autoridade: “presunção e água benta,
cada um pode tomar quanta quiser”. Lembrando que, a escolha equivocada é um
risco. Certamente, além de afronta à civilidade, agir com presunção pode trazer
prejuízos a diferentes processos, com perdas sociais e institucionais. É
preciso, pois, buscar o remédio para este mal, e a receita vem dos evangelhos,
nos muitos ensinamentos de Jesus.
Se a presunção não for tratada, ela agrava-se e torna-se
soberba, a grande responsável pelas indiferenças que enjaulam o ser humano na
incompetência para se relacionar. Distancia-o da sensibilidade indispensável
para o exercício da solidariedade. Deve-se buscar a humildade, virtude que é o
grande antídoto para curar presunções. Por ser virtude, requer dinâmicas
existenciais e espirituais para a desenvolver. A referência a húmus, na
etimologia do vocábulo humildade, remete ao sentido de “pés no chão”, à vida em
parâmetros de simplicidade. Para se orientar a partir destes parâmetros,
torna-se oportuno cada pessoa reconhecer a sua condição frágil e mortal que é
própria de todo o ser humano. Assim, se encontram razões para atitudes e
hábitos simples, reconhecendo-se humilde servidor.
Desconsiderar a humildade, nas dinâmicas espirituais e
existenciais diárias, é um risco. Pode provocar o desvirtuamento de
identidades, da personalidade e, consequentemente, desfigurar o carácter,
sustentáculo para o exercício da cidadania e da vivência autêntica da fé
cristã. Há-de se ter presente que a presunção tem força de perversão; além de
enfraquecer o relacionamento humano, indispensável para o desenvolvimento das
iniciativas necessárias ao bem de todos.
Este mal distancia e alimenta a perigosa pretensão: se achar
melhor, muitas vezes, a partir da desvalorização do outro. Na esfera religiosa,
há-de se calcular o prejuízo terrível da presunção, causa de práticas tortas
que se dizem ligadas à fé cristã. Presunção é o habitat do orgulho e da
ganância. Manifesta-se em disputas por privilégios, na busca egoísta
completamente oposta à verdade do Evangelho, que tem por princípio fundamental
a igualdade, o sentido de pertença e a solidariedade.
O que é que a presunção causa?
A presunção propicia a manipulação das razões e sentimentos
religiosos, desfigurando a autenticidade evangélica. É um mal que induz as
pessoas a buscarem somente arrebanhar mais, conquistar mais seguidores,
arrecadar mais. Os resultados são nefastos pelo desvirtuamento da genuinidade
do cristianismo, com a consequente perda do seu valor profético e profundamente
transformador de mentes e de dinâmicas culturais. No horizonte da
religiosidade, a presunção também impõe atrasos, gera entendimentos rígidos,
retrógrados, que buscam alimentar certo domínio das aparências, servindo apenas
para camuflar interesses contrários à fé cristã e ao nobre sentido da
religiosidade. Estes entendimentos equivocados dão origem às idolatrias que
alimentam perspectivas patológicas. E não se pode considerar normal,
especialmente no contexto religioso, a idolatria a pessoas.
No mundo político não é diferente. A presunção também
alimenta a inconsciência a respeito dos próprios limites, o que leva à
lamentável perda do sentido de realidade. Gera, assim, incapacidade para
solucionar, com a necessária urgência, os graves problemas da actualidade. A
representatividade no mundo da política, contaminada pelo veneno da presunção,
limita-se a agir em favor de oligarquias e na busca por privilégios. A
presunção cega a indispensável e saudável capacidade para a autocrítica. Em vez
desse necessário exercício, grupos e segmentos se pautam por pretensões
inconsistentes, completamente desconectadas da realidade. Contexto que favorece
a projecção de ídolos políticos revestidos de feições religiosas. Indivíduos
que fazem da política o que ela não deveria ser, com atrasos na promoção da
participação cidadã, inviabilizando, inclusive, a renovação dos nomes no
exercício da representatividade e a rapidez na solução dos muitos problemas
sociais.
Vale avançar no horizonte deste ditado popular – “presunção e
água benta, cada um pode toma quanta quiser”- para se reconhecer patologias que
levam aos atrasos civilizatórios, com a incapacidade para se enxergar novos
rumos e nomes, novas práticas e respostas para as demandas da sociedade. Quem
precisa de sair de cena não sai, por não reconhecer que é necessário fechar um
ciclo para a abertura de um novo. Alimentar a presunção é permanecer no parâmetro
da mediocridade, escondida por muitas roupagens, que apenas enganam para não
ter de mudar o que precisa de sofrer rápidas e urgentes intervenções. Tudo se
justifica pela deliberada falta de consciência clarividente e de autocrítica,
porque, “presunção e água benta, cada um pode tomar quanta quiser”.