O recado de Paulo
Há desejos, afetos e paixões desordenados que precisam de cura
São Paulo atribui a decadência moral da humanidade à substituição da Verdade sobre Deus pela idolatria que consiste em adorar o não adorável (cf. Cl 3,5). O documento de Puebla, do Episcopado Latino-Americano (1979), refere-se a três formas de idolatria: a da riqueza, a do prazer e a do poder. O apóstolo dos gentios oferece, na Carta aos Romanos, uma lista de comportamentos que caracterizavam a cultura pagã do seu tempo. Fala de um aprisionamento da verdade, impedida de vir à tona, pelas escolhas ímpias e injustas dos seres humanos. Noutra passagem, o apóstolo afirma que os gentios, que não receberam a lei revelada, têm a lei "gravada em seus corações" (cf. Rom 2,15), razão por que são também responsáveis diante da própria consciência pelo mal que praticam.
Aqueles que crêem de verdade em Deus, Pai e Criador, estão convictos de que existe uma ordem natural a ser respeitada e que a verdadeira liberdade consiste em assumir, na própria existência, o projeto de Deus que se pode descobrir pela consideração atenta, sensível à verdade, da natureza profunda do universo e da própria natureza humana. Quando Deus deixa de ser o fundamento último da existência humana, tudo se torna possível.
Os desejos dos indivíduos, ou de grupos, podem então transformar-se em direitos e as leis acabam por abrir espaço para a sua satisfação. Diz São Paulo: "Ao mesmo tempo revela-se, lá do céu, a ira de Deus contra toda a impiedade e injustiça humana, daqueles que por sua injustiça aprisionam a verdade. Pois o que de Deus se pode conhecer é a eles manifesto, já que Deus mesmo lhes deu esse conhecimento. De facto, as perfeições invisíveis de Deus - não somente o seu poder eterno, mas também a sua eterna divindade - são percebidas pelo intelecto, através das suas obras, desde a criação do mundo. Portanto, eles não têm desculpa: apesar de conhecerem a Deus, não o glorificaram como Deus nem lhe deram graças. Pelo contrário, perderam-se nos seus pensamentos fúteis, e o seu coração insensato obscureceu-se. Alardeando sabedoria, tornaram-se tolos e trocaram a glória do Deus incorruptível por uma imagem de seres corruptíveis, como homens, pássaros, quadrúpedes, répteis. Por isso, Deus os entregou, dominados pelas paixões dos seus corações, a tal impureza que eles desonram os seus próprios corpos. Trocaram a verdade de Deus pela falsidade, cultuando e servindo a criatura em lugar do Criador, que é bendito para sempre. Amém.
Por tudo isso, Deus os entregou a paixões vergonhosas: tanto as mulheres
substituíram a relação natural por uma relação antinatural, como também os
homens abandonaram a relação sexual com a mulher e arderam de paixão uns pelos
outros, praticando a torpeza homem com homem e recebendo em si mesmos a devida
paga dos seus desvios. E, porque não julgaram ser bom alcançar a Deus
pelo conhecimento, Deus os entregou ao seu reprovado modo de pensar. Praticaram
então todo o tipo de torpeza: cheios de injustiça, iniquidade, avareza,
malvadez, inveja, homicídio, rixa, astúcia, perversidade; intrigantes,
difamadores, inimigos de Deus, insolentes, soberbos, presunçosos, tramadores de
maldades, rebeldes aos pais, insensatos, traidores, sem afeição, sem compaixão.
E, apesar de conhecerem o juízo de Deus que declara dignos de morte os autores
de tais ações, não somente as praticam, mas ainda aprovam os que as
praticam" (Rom 1,18-31).
Esta é uma descrição de costumes e de comportamentos que estão presentes, em
grau maior ou menor, em todas as épocas da história. Aliás, a Epístola aos
Romanos quer mostrar exatamente isto: todos os seres humanos, sem exceção, estão
sob o domínio do pecado. O seu objetivo é mostrar que, em Cristo, somos salvos.
O reconhecimento da nossa condição de pecadores abre-nos para Cristo Redentor.
Saberemos, entretanto, reconhecer que em nós há desejos, afetos e paixões
desordenados que precisam de cura e saberemos perceber a ação de Deus que nos mobiliza
na direção da prática do bem. Nesse sentido é impossível viver sem experimentar
este conflito: "O querer o bem está ao meu alcance, não
porém praticá-lo. Com efeito, não faço o bem que quero, mas pratico o mal
que não quero" (Rom 7,18-19). A consciência desta condição leva-nos a
Cristo que, pelo Espírito Santo, vem em nosso socorro e nos dá a graça de
construir a nossa vida segundo o projeto de Deus. Não precisamos de ser
escravos nem da lei nem das nossas paixões desregradas. Podemos caminhar na
direção de uma liberdade sempre mais profunda, conduzidos pelo Espírito de
Cristo. Um alerta: a cultura hedonista se alastra, cria leis que transformam em
direitos comportamentos que destoam da verdade. Não se considere melhor que os
outros nem se assuste, pois o Senhor diz: "não tenhais medo, sou
eu" (Jo 6,20); e ainda: "eis que estou convosco todos os dias até à
consumação dos séculos" (Mt 28,20).