Frei Pacómio, o monge que voltou 400 anos depois
Em princípios do século décimo, vivia num convento de
beneditinos um santo religioso, chamado frei Pacómio, que não podia compreender
como os bem-aventurados não se cansam de contemplar por toda a eternidade as
mesmas belezas e gozar dos mesmos gozos.
Um dia mandou-o o Prior a um bosque vizinho, para recolher alguma lenha. Foi
com gosto, mas mesmo no trabalho não o largavam as dúvidas.
De repente ouviu a voz de uma avezinha que cantava maravilhosamente entre os
ramos. Ergueu-se e viu um animalzinho tão encantador, como jamais vira em sua
vida. Saltava de um ramo para outro, cantando, brincando e internando-se na
selva.
Seguiu-o frei Pacômio, todo enlevado, sem dar-se conta do tempo nem do lugar.
A certa altura a avezinha atirou aos ares o último e mais doce gorjeio e
desapareceu. Lembrando-se então de seu trabalho, frei Pacômio procurou o
machado para voltar ao convento.
Mas - coisa estranha! - achou-o enferrujado. Quis pegar o feixe de lenha que ajuntara,
mas não o encontrou.
- Alguém mo terá roubado? - pensou.
Pôs-se a andar, mas não encontrava o caminho. Chegou, afinal, à beira do
bosque, mas não encontrou o mato que tão bem conhecia. Ali estava agora um
campo de trigo, em que trabalhavam homens desconhecidos.
Perguntou a um deles o caminho do mosteiro, pois de certo se tinha extraviado.
Todos olharam para ele com surpresa, e em seguida indicaram-lhe o mosteiro.
Chegou afinal ao mosteiro. Mas - grande Deus! - como estava mudado! Em lugar da
casa modesta de sempre, viu um edifício magnífico ao lado de uma grandiosa
capela. Intrigado, bateu à porta; um irmão desconhecido veio abrir. - Sois
novo, aqui - disse-lhe Pacómio. - Eu venho do bosque aonde me mandou esta manhã
o Prior D. Anselmo, para buscar lenha.
Admirado, o porteiro deixou ali o hóspede e foi avisar o Prior que estava na
portaria um monge com hábito velho, barba e cabelos brancos como a neve, a
perguntar pelo Prior Anselmo.
O caso era curioso. O Prior, abrindo os registos do convento, descobriu o nome
do Prior Anselmo, que ali viveu há quatrocentos anos.
Continuou a ler, e achou nos anais daquele tempo o seguinte:
- Esta manhã frei Pacómio foi mandado buscar lenha no bosque e desapareceu.
Chamaram o hóspede e fizeram-no entrar e contar a sua história.
Frei Pacómio narrou o caso das suas dúvidas sobre a felicidade do paraíso, e o
Prior começou a compreender o mistério.
Deus quis mostrar ao pio religioso que, se o canto de uma avezinha era capaz de
encantar-lhe a alma por séculos inteiros, quanto mais a formosura de Deus há-de
embevecer os bem-aventurados por toda a eternidade, sem que eles jamais se
cansem. (Pe. Francisco Alves, C.SS.R., "Tesouro de Exemplos" -
Vozes, Petrópolis, 1953)