CRIAÇÃO DO MUNDO E DO HOMEM
Uma pergunta: "Gostaria de saber o que existe de histórico na nar¬ração da criação do mundo e do honrem, na Bíblia".
R. - A Bíblia traz duas narra¬ções distintas, pertencentes a tra¬dições orais de épocas diversas, ambas aproveitadas depois pelo escritor sagrado.
Uma, mais antiga ((Gn 2, 4-25) chamada javista (em virtude de nela se chamar a Deus por Javé) e que se julga ter sido fixada por escrito no tempo de Salomão, 9 séculos a. C.
Afirma apenas que Deus criou o céu e a terra e depois
- que criou Adão e Eva, colo¬cando-os no paraíso terreal
- que lhes impôs a proibição de comer dos frutos da árvore da vida tendo eles desobedecido.
A outra narrativa, chamada sa¬cerdotal, embora venha ao princí¬pio do Génesis, é mais recente, do tempo do exílio em Babilónia e pós-exílio (séc. V a. c.); pertence à Lei promulgada por Esdras, e afirma:
- que Deus criou o mundo por fases, nos diversos dias da semana,
- que a seguir, criou o homem à sua imagem e semelhança, com poder sobre todos os animais,
- e que criou também a mulher, sem dizer como é que foram criados.
Ambas as narrativas são relatos histórios. Mas não podemos, evidentemente, entender esta historicidade segundo a nossa mentalidade moderna.
A célebre encíclica «Humani generis”, de Pio XII (12 de Agosto, 1950) documento de extraordinária importância para a exegese bíblica, afirma sem hesitação:
(Os onze primeiros capítulos do Génesis... pertencem ao género histórico em verdadeiro sentido; mas este deve ser ainda mais es¬tudado e determinado pelos exe¬getas».
Por sua vez, a encíclica «Di¬vino amante Spiritu» (Pio XII, 30 Set. 1943), outro documento importantíssimo, que abriu novos caminhos para a investigação bí¬blica, diz ser imprescindível aos exegetas situarem-se primeiramen¬te dentro do género literário e da mentalidade dos autores desses es¬critos de épocas tão remotas.
Não podemos, pois, negar as verdades contidas nos primeiros capítulos da Bíblia. Mas temos de saber distinguir entre o que o escri¬tor sagrado quis afirmar e o modo como o afirma.
Que diríamos de quem se lem¬brasse de negar os factos históricos dos descobrimentos, etc. só porque Camões os apresenta num enqua¬dramento cheio de ficções poéticas?
Como saberemos discernir entre verdades e processos literá¬rios? Temos o auxílio da ciência, principalmente a geologia, paleon¬tologia e antropologia, e temos a autoridade da Igreja, depositária das verdades reveladas.
Ora a Igreja diz-nos quais são as verdades cuja historicidade se não pode rejeitar nestes primeiros capítulos do Génesis (Comissão Bíblica, de 30 de Junho de 1909):
1.° - Criação do universo e de todos os seres animados e inanima¬dos, por Deus.
2.° - Criação do homem dotado de alma espiritual e racional.
3.° - Pecado de Adão e Eva (de¬sobediência a Deus) e consequente perda de todos os privilégios preter¬naturais.
A par destas verdades, pode¬mos, ajudados pela fé, encontrar outras verdades religiosas, em co¬nexão estreita com elas, como:
1.° - Que Deus criou o mundo do nada, por um acto da sua von¬tade.
2.° - Que o mundo não é uma emanação de Deus e que portanto não é igual a Ele na sua essência.
3.° - Que Deus é único, sem princípio, anterior à criação.
4.° - O monogenismo ou ori¬gem dum só casal humano, em¬bora o autor sagrado não afirme explicitamente esta verdade.
5.° - Que o homem tem obriga¬ção de obedecer e prestar culto ao seu Criador.
Tudo o mais, nestes primeiros capítulos do Génesis, é simples processo literário, popular.
- A distribuição da criação pe¬los dias da semana,
- a estátua de barro,
- desfile dos animais para Adão lhes dar o respectivo nome,
- a extracção da costela de Adão para a criação de Eva,
- a serpente tentadora e o fruto proibido.
In Magnificat, Junho/Julho