A fé, diz Zimowski, citando a encíclica Fides et Ratio, de João Paulo II, "ajuda a dar o passo, tão necessário quanto urgente, do fenómeno para o fundamento. Não é possível ficar apenas na experiência. Mesmo quando esta expressa e manifesta a interioridade do homem e a sua espiritualidade, é necessário que a reflexão especulativa atinja a substância espiritual e o fundamento que a sustenta".
A ciência e a fé, sublinha o expoente, devem ter como referência principal o homem, a sua dignidade, o seu bem-estar, a sua realização: "São como dois trilhos de ferro paralelos, diferentes e inconfundíveis um com o outro. Caminhando sobre eles, rumamos para um futuro de luz, de bem, de solidariedade para a humanidade". Por isto, ninguém deve sentir-se excluído do cuidado devido à sua pessoa e à sua saúde, no respeito da igual dignidade de cada um.
Ciência e fé
Não pode haver contradição entre ciência e fé, porque é o mesmo Deus o autor da Criação e da Revelação. Se no passado houve muitos choques é porque, devido a más interpretações bíblicas, se defenderam verdades naturais como sendo de fé (caso Galileu), ou por intromissão abusiva dos métodos da fé na ciência ou vice-versa, ou por orgulho e fanatismo de parte a parte. Actualmente, alguns casos pontuais, como é o santo sudário de Turim ou a análise das espécies sacramentais conservadas incorruptas há séculos, vêm confirmar a possibilidade de ciência e fé convergirem ou da ciência mais sofisticada vir apoiar verdades de fé.
A ciência tem o seu objecto fenomenológico e o seu método próprio de observação e experimentação. Nem as ciências naturais e exactas se podem considerar longe da fé, muito menos as ciências humanas. Quando algum progresso destas ciências parece contrariar a fé, é necessário ver se se trata de verdades de fé definitivas e bem in terpretadas exegeticamente, ou se pelo contrário estão em causa simples opiniões teológicas. Pode a crença não ser verdadeira ou ser preciso buscar-lhe novos apoios. A ciência, a filosofia, a teologia, a exegese, tém de colaborar mutuamente, embora respeitando os campos específicos de cada uma. Se houver boa vontade e estudo sério, nunca haverá contradição, ao menos a longo prazo, embora nem tudo possa aparecer claro, porque a fé tem mistérios e a ciência tem limites.
O que é a fé? O Evangelho, mais que de fé, fala do verbo dinâmico "acreditar". Crer é confiar, aderir, amar, relacionar-se, dar crédito, desistir de tudo provar racionalmente, dar o nosso voto de confiança a Deus, aventurar-se passando para o lado daquele em quem se acredita, dizendo como S. Paulo: "Sei em quem acredito". Não é cega, a fé; também não é de todo racional, mas é sempre razoável e fundada. Como humanamente acreditamos nos amigos, supomos que o alimento não está envenenado, que os pais nos querem bem, e muitos outros actos de fé humana (pedagogia da fé), muito mais devemos acreditar que Deus não tem interesse em mentir-nos, antes é Deus de Verdade e de Amor que nos quer bem a ponto de morrer por nós em Jesus Cristo, cujo mistério pascal constitui o centro e cume da nossa fé.
São Tomás comenta uma frase célebre de Santo Agostinho que afirma: "ter fé é acreditar em Deus, acreditar a Deus, acreditar Deus". Deus é o fim do acto de fé que se expressa num acto dinâmico da inteligência e da vontade, um interesse e paixão, sem o qual não se crê; Deus é a causa ou razão do acto de fé (creio em Deus): creio porque é o Senhor que me fala e merece confiança, devendo eu interiorizar o seu chamamento e abandonar-me a Ele; Deus é ainda o conteúdo, a explicitação do acto de fé (aceito Deus). Falta muitas vezes aos jovens estas atitudes, sobretudo a primeira.
Infelizmente nem sempre foi pacífico o diálogo e o respeito entre ciência e fé. Até fins da Idade Média não havia incompatibilidade alguma. A ciência era feita à luz da fé e por eclesiásticos. A ruptura começou a processar-se no século XVI atingindo o ponto culminante no século XVII com o "caso Galileu", que defendeu o heliocentrismo, tendo o Santo Ofício condenado a nova teoria como "contrária à Escritura, insensata e absurda em filosofia". Tudo isto por uma interpretação errónea do Génesis e intromissão indevida da teologia no campo da ciência. Durante três séculos prevaleceu o antagonismo e a irredutibilidade entre ciência e fé, com pontos mais acesos, como a propósito do evolucionismo.
O cientismo e racionalismo do século passado (na linha do enciclopedismo do século XVIII ) foi ainda mais conflituoso. Tratava-se de um optimismo ingénuo da ciência àmistura com uma atitude anti-teísta de inspiração marxista. Caso típico já na segunda metade do nosso século foi o astronauta russo Gagarine que afirmou não ter visto Deus no espaço... Actualmente a ciência é mais honesta e modesta. Atitude negativa é também o agnosticismo de muitos cientistas que se mantêm fechados no seu campo científico sem abertura à transcendência, embora reconheçam que há problemas de fronteira, como a origem do universo e do homem, o destino e o futuro do homem, a morte, etc. que poderiam ser iluminados pela ciência e pela teologia conjuntamente. Solução óptima é a daqueles que sabem ser verdadeiros cientistas e também homens de fé, como foram Newton, Copérnico, Volta, Marconi, Mendel, de certo modo Einstein e Max Planck, e tantos outros do passado como do presente. Sabem que o mundo e a problemática humana não se reduzem ao seu laboratório ou gabinete de trabalho. Sabem que a ciência não os pode salvar.
Caso típico de homem de fé e cientista é Pascal. Grande matemático, físico, filósofo, escritor e místico do século XVII. Procurou Deus de coração sincero, deixando “Pensamentos" maravilhosos que podem servir de meditação ao homem desorientado de hoje. Segundo ele, "há duas espécies de pessoas que se podem chamar racionais; os que servem Deus de todo o coração, porque O conhecem; os que procuram Deus de todo o coração, porque não O conhecem". Muitas vezes o homem anda longe de Deus, porque não entra em si e não pensa: "o homem é visivelmente feito para pensar; toda a sua dignidade, todo o seu mérito, todo o seu dever é de pensar a sério. Ora a ordem do pensamento é de começar por si, pelo seu autor e pelo seu fim”. O homem anda "divertido" ou "desviado" de si e das máximas eternas.
Pascalpensa que se atinge melhor Deus pelo coração (potência intuitiva do espírito) que tem razões desconhecidas da inteligência. "Falando das coisas humanas, diz-se que é preciso conhecê-las antes de as amar... Os santos, ao contrário, dizem acerca das coisas divinas que é necessário amá-las para as conhecer e só através da caridade é que se entra na verdade". "É o coração que sente Deus e não a razão. Eis o que é a fé: Deus sensível ao coração, não à razão".
Pascal dá mais um passo decisivo afirmando que o verdadeiro Deus só é conhecido através de Jesus Cristo: "somente podemos conhecer Deus por Jesus Cristo e também só nos conhecemos a nós por Jesus Cristo. Só conhecemos a vida e a morte por Jesus Cristo. Fora de Jesus Cristo não sabemos o que é a nossa vida, a nossa morte, Deus, nós mesmos". Jesus é também o centro do nosso agir: "fazer as pequenas coisas como grandes por causa da majestade de Jesus Cristo que as faz em nós e que vive a nossa vida; e fazer as grandes como pequenas e fáceis por causa do Seu poder". Enfim, a fé é viver na intimidade da Santíssima Trindade por Jesus Cristo, o que se torna fonte de imensa alegria: "alegria, alegria, chora de alegria!", lia-se num escrito encontrado no bolso de Pascal após a morte. Se formos homens de fé, gritaremos também de alegria nesta vida, cântico que ecoará eternamente no céu. Um ateu não sabe nem pode cantar melodias eternas, já iniciadas nesta terra, à espera dos novos céus e da nova terra onde Deus será tudo em todos.
"Ciência e fé são aliadas em nome da dignidade humana" – Bento XVI
A ciência de hoje deve assumir uma abordagem cada vez mais interdisciplinar, ajudando a construir uma cultura de respeito aos seres humanos e à protecção da dignidade humana, afirmou Bento XVI aos participantes da Sessão Plenária da Pontifícia Academia das Ciências, abordando A Complexidade e a Analogia na Ciência: Aspectos Teóricos, Metodológicos e Epistemológicos.
Algumas "descobertas significativas" feitas nos últimos anos convidam a levar em conta a "grande afinidade de física e biologia que se manifesta claramente cada vez que conseguimos uma compreensão mais profunda da ordem natural", disse o papa. Na complexa estrutura do cosmos, portanto, o "mistério do homem" encontra o seu lugar.
Os debates durante a assembleia plenária da Pontifícia Academia voltaram-se, por um lado, "à dialéctica da pesquisa científica em constante expansão, aos métodos e às especializações", e, por outro, "à busca de uma visão abrangente do universo, em que os seres humanos dotados de inteligência e de liberdade são chamados a compreender, amar, viver e trabalhar".
Esta "abordagem interdisciplinar" destaca os vários ambientes científicos como campos "conectados uns com os outros e com o mundo". Esta visão apresenta "pontos frutíferos de contacto com a visão do universo assumida pela filosofia e pela teologia cristã", em que toda a criatura "compartilha de uma natureza específica, dentro de um cosmos ordenado, que tem origem na Palavra criadora de Deus".
É esta intrínseca organização "lógica" e "analógica" da natureza que "incentiva a pesquisa científica e estimula a mente humana a descobrir a participação horizontal entre os seres e a participação transcendente do Primeiro Ser", continuou o Santo Padre.
O universo, portanto, não é "caos" nem "resultado do caos", mas " mostra-se cada vez mais claramente como uma complexidade ordenada, que nos permite elevar-nos, através da análise e da analogia comparativa, da especialização a uma visão mais universal, e vice-versa".
Se, por um lado, os primeiros momentos do universo e da vida "ainda escapam à observação científica, a ciência encontra-se, por outro, a pensar numa vasta gama de processos que revelam uma ordem de evidentes e constantes correspondências e que servem como componente essencial de criação permanente".
É por causa da noção de criação que o pensamento cristão usou a analogia "não só como ferramenta de análise horizontal das realidades da natureza, mas também como estímulo para o pensamento criativo em âmbito mais transcendente", ou como meio de "elevação do criado até a contemplação do Criador".
O papa reafirmou a sua crença na "necessidade urgente" de "diálogo permanente" e de "cooperação entre os mundos da ciência e da fé, para construir uma cultura de respeito aos seres humanos, à dignidade humana e à liberdade, pelo futuro da nossa família humana e pelo desenvolvimento sustentável do nosso planeta no longo prazo".
Sem esta "interação necessária", a "grande questão da humanidade" deixa o reino da razão e da verdade à mercê "do mito, do irracional ou da indiferença, com grande prejuízo para a própria humanidade, para a paz no mundo e para o nosso destino final", concluiu o papa.
Relação harmoniosa entre fé e razão – Bento XVI
"No irresistível desejo de verdade que tem o ser humano, a estrada justa a seguir, para a sua plena satisfação no encontro com Deus, passa por uma relação harmoniosa entre fé e razão. Esta é capaz de conhecer com certeza a existência de Deus pela via da criação, mas só a fé pode conhecer «com certeza absoluta e sem erro» as verdades que dizem respeito a Deus.
Não se trata aqui de meras informações, mas de verdades que nos falam do encontro de Deus com os homens. Por isso, o conhecimento de Deus é, antes de tudo, experiência de fé; mas não sem a razão.
Deus não é absurdo; embora seja sempre um mistério. O mistério não é irracional, mas superabundância de significado: se a razão vê escuro ao fixar o mistério, não é por falta de luz, mas porque há demais.
A fé católica é sensata e razoável e tem confiança na razão. Nesta linha de ideias, ela não está contra a ciência; antes, coopera com ela, oferecendo critérios basilares para se promover o bem comum, pedindo-lhe apenas que renuncie às tentativas que, opondo-se ao projecto originário de Deus, possam gerar efeitos que se voltem contra o próprio homem".