Na batalha contra o cancro,aprendi a ganhar
Ao enfrentarmos o cancro, temos a difícil tarefa de contabilizar as perdas e a sabedoria de reconhecer os ganhos
“O cancro tirou-me tudo”! Não raras vezes, escutamos frases assim de pacientes e familiares cuja vida foi atingida por esta cruel enfermidade. De facto, enfrentar o cancro, assim como outras doenças tão graves como esta, é uma verdadeira e árdua batalha.
Deixo aqui um breve relato do que uma família vive desde maio deste ano, com o diagnóstico dado ao pai: cancro no esófago.
Realmente, as “perdas” já começam com a chegada da notícia. Perda de rumo, de certezas e convicções. Surgem medos e inseguranças, conflitos e questionamentos. O tempo pára e a vida passa depressa na cabeça, como um filme. Começa, então, uma rotina de exames, de idas e vindas a médicos, laboratórios, clínicas e hospitais. Muitas vezes, entra-se, pela primeira vez, neste universo obscuro e distante do quotidiano. Começa uma corrida contra o tempo.
Perde-se o controle da vida
A vida toma outra direção e passa a ser habitada por pessoas e locais diferentes. Surge um novo vocabulário, complexo e desconhecido, de nomes grandes e esquisitos, biópsias e resultados. Perdem-se os dias passados dentro de um hospital, numa fila de espera, nas idas e vindas dos papéis, autorizações, agendamentos e cancelamentos. Sim, perde-se a autonomia, o “ir e vir” livremente. Perde-se um dia de trabalho ou muitos dias, perde-se a capacidade de trabalhar e até mesmo o emprego. Perde-se o controle da vida e do corpo. Perde-se a noção do tempo e a certeza de quanto tempo ainda lhe resta. Perde-se o apreço e a fama. Vão-se embora os conhecidos e faz doer a perda dos que eram “amigos”.
Perdem-se as roupas que já não cabem, perde-se o apetite, o cabelo, a pele corada e a aparência saudável. Perde-se a mama, o esófago ou o útero, perde-se a voz. Mas, afinal, perde-se realmente tudo? Não, não e não!
Fazer surgir um novo broto de vida
Sabedoria é conseguir reconhecer os ganhos no meio do caos gerado pelo excesso de perdas, é enxergar estas perdas como podas que, bem aproveitadas, fazem surgir um broto novo.
O cancro pode trazer como ganho a família que se une, que deixa para lá picuinhas e desavenças com aquilo que já não tem tanto valor assim, que divide o fardo e que se ajuda mutuamente para que todos consigam seguir em frente. Ganha-se com lágrimas que não são choradas sozinhas, mas divididas com aqueles que mais amamos. Ganha-se fé, porque se descobre pequeno e frágil, totalmente dependente de Deus. Ganha-se com a presença de Jesus, que nunca abandona quem d’Ele precisa.
O que se ganha com o cancro
Ganham-se novos amigos e uma nova família: a filha do senhor do leito ao lado, as enfermeiras que se revezam dia e noite nos cuidados, o rapaz que se senta ao lado na sala da quimioterapia ou aquela menina que caminha pelo corredor tendo nos braços a boneca.
Ganha-se com as histórias de vida narradas nos corredores do hospital, expressas na prece de quem está ajoelhado na capela ou por quem anda inquietamente na sala de espera do bloco cirúrgico. Ganha-se quando os médicos trazem notícias de melhora e, mesmo que lentamente, da recuperação.
Ganha-se quando se entende que o tempo não é em vão e que cada minuto vale ouro, podendo ser aproveitado e vivido como dom precioso. Ganha-se com gestos de generosidade de pessoas desconhecidas, daqueles de quem menos se espera, mas especialmente daqueles íntimos que se unem a nós. Ganha-se naquela comida preparada com amor, seguindo a orientação médica para que seja bem aceita pelo organismo. Ganha-se com aquela sobremesa predileta que viajou algumas horas e foi mandada por alguém que faz uma visita. Ganha-se com o desenho de uma criança da família, que, na sua simplicidade, diz que ama e tudo vai ficar bem, mesmo sem compreender o que se passa.
Amor e capacidade de amar mais
Ganha-se têmpera, amor e capacidade de amar mais. Ganha-se quando quem está do lado faz de tudo para aliviar um pouco o sofrimento. Ganha-se com uma mensagem de carinho e apoio que chega no telemóvel ou por uma voz embargada no telefone. Ganha-se quando as pessoas se unem numa corrente de oração e fé capaz de devolver o brilho nos olhos. Ganha-se nas gentilezas das pequenas e grandes atitudes.
Enfim, realmente são muitas as perdas e elas são comuns a todos os impactados e atingidos pelo cancro. Já os ganhos não, eles são como pedra preciosa vasculhada e encontrada, reservada àqueles que conseguem ir ao profundo e ver além.
O cancro já não é uma sentença de morte e é possível ficar curado. Mas a luta é ainda muito exigente e o tratamento desgastante. Não é possível vencer sem apoio, sem suporte e sem fé.
O maior de todos os ganhos
Assim, quando e se a pior de todas as perdas chegar, a morte, também neste momento será preciso conservar no coração a certeza do maior de todos os ganhos: a vida eterna! No céu está o nosso tesouro.