A frustração do homem
A origem do homem é Deus e o seu fim último é o de se encontrar com Deus que é amor
Não sei se já tiveste o corpo coberto de lama. No início, a lama é fria, pegajosa e acaba por provocar uma certa aversão. No entanto, com o tempo, a lama começa a endurecer no próprio corpo, ao ponto de se tornar como uma espécie de crosta. E, quando arriscas retirar um pouco dessa lama que se tornou crosta, acabas por puxar a pele e os pelos do corpo. Existe dor, existe incómodo com a lama no corpo e ao ter que limpá-lo.
O que é o corpo? É o ambiente no qual não sou escravo, mas posso, por meio dele, amar e ser amado. No corpo e com o corpo tenho a capacidade de expressar a caridade. Quem é capaz de amar? Aquele que é imagem e semelhança do Deus que é amor. O que é a lama? Poderias responder: “É o pecado”. Mas não é somente o pecado. É tudo o que sobra e não faz parte do que é a essência e a finalidade da existência humana.
O homem é fruto do amor transbordante do Criador e, diferente de todas as criaturas, o homem tem alma, isto o faz ser alguém que não se encerra neste mundo. Há um germe de eternidade na sua existência. A origem do homem é Deus e o seu fim último é o de se encontrar com este Deus que é amor.
Portanto, a lama é o que ousa atentar contra a dignidade do ser humano. Pode ser o pecado, entretanto, podem ser, também, as ocasiões que mesmo sem pecar, a criatura esquece quem é o seu Criador. Por isso, não O busca responder com amor, acaba escolhendo viver na busca incessante pelos planos de carreira e pelas coisas passageiras, algo que não necessariamente seja pecado, mas pode ser um movimento que na sua consequência o leva a pecar. A lama ousa atentar a dignidade do homem, o que não significa conseguir de facto, mas de qualquer forma o fere profundamente.
Há um tipo de pecado que quero mencionar: o pecado contra a castidade. Pecar contra a castidade é fruto de uma má escolha e uma desordem no como amar, seja a si mesmo, ou seja, amar as pessoas. Há na pessoa uma potência para amar, mas ela, ao usar essa potência, pode fazer de maneira desordenada e, portanto, descontrolada.
O resultado é justamente o egoísmo, onde a pessoa busca nos outros ou nas coisas uma oportunidade de prazer para si, ela busca “ser amada”. E, no movimento de busca ao prazer, abre mão do que é racional em nome dele; é capaz de abrir mão do que é genuíno, apenas para obter o prazer próprio. A medida da relação humana torna-se o quanto de prazer aquela determinada relação pode oferecer. O ser humano é reduzido a objecto. Diante do outro perde-se a capacidade de admiração; contemplação; de dar a vida; e de se sacrificar se assim for preciso. Esvai todo o sentimento de altruísmo.
Aos poucos, desfigura-se o ser humano imagem e semelhança de Deus e o homem ignora a sua essência e finalidade. O que resta é a lama endurecida sobre a sua existência nesta terra. Por fim, a frustração do próprio homem.