Rezar pelos mortos é um acto de caridade
Os nossos mortos, que comemoramos no Dia de Finados (2 de Novembro), não estão mortos. Estão vivos, com uma outra vida, junto de Deus, que não se acabará. O livro da Sabedoria, na Bíblia, ensina que os justos, os que perseveram na fé, não morrem (Sb 2,23).
O mesmo livro da Sabedoria assegura: “Os justos vivem para sempre, recebem do Senhor a sua recompensa, cuida deles o Altíssimo. Receberão a magnífica coroa real, e das mãos do Senhor, o diadema da beleza.” (Sb 5, 15 e 16).
Mas, e os que não são justos? E os que morreram separados de Deus? Também estes vivem, mas de outro modo. Descrevendo a cidade de Deus onde vivem os justos, São João diz o seguinte no livro do Apocalipse: “Nela nunca entrará algo de imundo, e nem os que praticam abominação e mentira.” (Ap 21, 27).
Portanto, os pecadores, os maus, ali não entram. A morada dos justos é junto de Deus. A morada dos maus é a eterna separação de Deus. Assim se compreende a diferença entre céu e inferno.
A criatura humana é inextinguível, porque é feita à imagem e semelhança de Deus. Sobreviverá, por isso, de modo novo, que não sabemos explicar, após a morte. Este modo será de eterna felicidade junto de Deus para os bons, ou de eterna desgraça pela separação de Deus, para os maus. A fé, entretanto, sempre nos levou a crer que muitas pessoas, apesar de imperfeitas e manchadas, não se distanciaram de Deus por uma absoluta prevaricação. Estas pessoas, após a morte, devem ser purificadas. Então, haverá pecados que possam ser perdoados, ou de que nos possamos purificar no outro mundo? Foi o que ensinou Jesus: “Se alguém disser blasfêmias contra o Espírito Santo, nem neste mundo, nem no outro isto lhe será perdoado.” (Mt 12, 32). Do que inferiu o 1º Concílio de Lião: “disto se dá a entender que certas culpas são perdoadas na presente vida, e outras o são na vida futura, e o Apóstolo disse que a obra de cada um, qual seja, o fogo a provará e aquele cuja obra arder ao fogo, sofrerá; mas ele será salvo, porém, como quem o é através do fogo (I Cor 3, 13 e 15).
Por difícil que pareça o texto do Apóstolo em I Cor 3, 13 e 15, que citamos com a autorizada interpretação do 1º Concílio de Lião, dele fica bem claro que algumas pessoas serão salvas, “porém através do fogo”, que as purificará. É este estado após a morte que a doutrina católica sempre denominou Purgatório. Palavra esta, creio eu, salvo melhor juízo, mal traduzida do grego para o latim – onde o vocábulo Purgatorium soa como purgante, pelo que a melhor versão latina seria Purgatio, que em português se deve traduzir por purificação. Entende-se pois, a palavra Purgatório, como Purificação, significando aquele estado em que, após a morte, seremos purificados de faltas não mortais, antes de sermos admitidos à luz puríssima de Deus.
É assim, aliás, que o entendeu o novo CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, ao expor esta matéria: “Os que morrem na graça e na amizade de Deus, mas não estão completamente purificados, embora tenham garantida a sua salvação eterna, passam, após a sua morte, por uma purificação, para obterem a santidade necessária para entrarem na alegria do Céu.” (nº 1030).
Sempre ensinou também a Igreja Católica que, aos mortos que devem ser purificados, muito ajudam os sufrágios, preces e sacrifícios dos irmãos vivos, visto o imenso tesouro da chamada “comunhão dos santos”. Para ensinar esta doutrina, a Igreja sempre se amparou no texto bíblico do 1º Livro dos Macabeus 12, 38-45, que assim conclui: “É, pois, santo e salutar pensamento orar pelos mortos, para que sejam livres dos seus pecados.” Este é o motivo das nossas orações pelos falecidos. Cremos que estão vivos. Cremos que a fé em Cristo os salvou. Não esquecemos, porém, que muitas fragilidades humanas talvez impeçam a sua imediata entrada na visão beatífica. E por eles oferecemos preces e sacrifícios para que, quanto antes, lhes resplandeça a luz da bem-aventurança eterna.
