O corpo na tumba – “Debaixo de ti se estenderá por cama os insectos, e a tua coberta serão os bichos” (Is 14, 11)
Para ver melhor o que és, aproxima-te de um túmulo.
Eis como daquele cadáver sai uma matéria infecta, na qual se
gera uma multidão de vermes que se nutrem da carne. Caem as faces, os lábios,
os cabelos.
E finalmente, daquele corpo nutrido com tanta delicadeza,
causa talvez de tantas ofensas do Senhor, não resta nada senão um esqueleto
fétido, um punhado de pó.
Quantos têm, à vista de um cadáver, deixado o mundo e entrado
numa ordem religiosa!
I. Para melhor ver o que és, ó cristão, diz São João Crisóstomo:
“vai visitar os túmulos”.
Vê como esse cadáver se vai tornando de amarelo em negro. Em
seguida aparece pelo corpo todo uma penugem branca e repelente. Sai dela uma
matéria viscosa e infecta que corre pela terra.
Nesse pus gera-se em breve uma multidão de vermes que se
nutrem das carnes.
Despegam-se e caem as faces, os lábios, os cabelos; e daquele
corpo só resta finalmente um esqueleto fétido, que com o tempo se divide,
destacando-se os ossos uns dos outros, e separando-se a cabeça do tronco.
“Como a miúda palha, que o vento leva fora da eira em tempo
de calor”. Tal é o homem, um pouco de pó arrastado pelo vento.
Onde está aquele cavalheiro, outrora encanto e alma da
sociedade?
Entra no seu quarto; já lá não está. Se procurares o seu
leito, saberás que foi dado a outro. Os vestidos, as armas: outros já tomaram
posse delas e as dividiram entre si.
Se o queres ver, vai a essa cova, onde jaz em podridão e com
os ossos descarnados.
Ó Deus! A que estado ficou reduzido o corpo tratado com tanta
delicadeza, vestido com tanta pompa, cercado de tantos servos!
Quantos têm, à vista de um cadáver, deixado o mundo e entrado
numa ordem religiosa!
II. Santos do céu, como tendes sido prudentes, vós que pelo
amor de Deus, a quem só amastes na terra, soubestes mortificar o vosso corpo.
Agora, os vossos ossos são conservados e honrados como
relíquias santas em relicários de ouro, enquanto que as vossas belas almas
gozam de Deus, esperando o dia final em que os vossos corpos irão também tomar
parte na glória eterna, como tomaram parte na cruz durante a vida.
É assim que se ama verdadeiramente o corpo, carregando-o
neste mundo de aflições, afim de que seja eternamente feliz e recusando-lhe as
doçuras que o tornariam infeliz na eternidade.
Aí está, meu Deus, o que deve ser um dia este corpo, pelo
qual tanto Vos ofendi, presa dos vermes e da podridão!
Mas não me aflijo, ó Senhor, antes me regozijo, de que assim
se deve corromper e consumir esta carne, que me fez perder-Vos, ó soberano Bem.
O que me aflige é ter-Vos dado tantos desgostos, só para
alcançar mais algum prazer. Não quero, porém, desconfiar da vossa misericórdia.
Vós esperastes por mim para me perdoar:
Quereis perdoar-me, se eu me arrepender. Oh, sim! Eu me
arrependo de todo o meu coração, de Vos ter desprezado, ó bondade infinita.
Dir-Vos-ei com Santa Catarina de Génova: “Meu Jesus, nunca
mais pecarei; não, nunca mais pecarei! Não, não quero mais abusar mais da vossa
paciência.”
Ó meu amor crucificado, não quero esperar para Vos abraçar
até que me sejais apresentado pelo confessor no momento da morte.
Desde já Vos abraço; desde já Vos recomendo a minha alma: “Nas
tuas mãos, Senhor, entrego o meu espírito”.
A minha alma entregou-se anos e anos ao mundo e não Vos amou:
dai-me a luz e a força para Vos amar o resto de minha vida.
Não quero, para Vos amar, esperar pela hora da morte; desde
já Vos amo, Vos abraço, e Vos estreito ao coração; e prometo nunca mais
abandonar-Vos.
Ó Virgem Santíssima, ligai-me a Jesus Cristo e alcançai-me a
graça de nunca mais o perder.
Fonte: Meditações para
todos os dias e festas do ano – Santo Afonso Maria de Ligório.