1 - …Desejo e espero que este acto, neste dia e nesta hora, constitua sempre para vós o acontecimento inesquecível do vosso encontro íntimo com Jesus Cristo no ministério sacerdotal
No trecho que foi lido da carta de S. Paulo (Gál 5,1) ele ensina que aquilo que se passa na Ordenação supera as nossas forças, é obra do Espírito Santo, é uma acção de Deus em nós. Quando se planta uma árvore e se alimenta devidamente, ela, a seu tempo, dá fruto, fruto dela própria; quando um estudante se dedica, obtém um título académico, produziu-o ele próprio. No caso do sacerdócio não é assim: obtivestes um curso teológico, desenvolvestes a vossa personalidade, mas ser padre não vem de nós, vem de cima, é obra do Espírito Santo em favor da Igreja: «Não fostes vós que me escolhestes, fui eu que vos escolhi a vós» (Jo 15,9). O povo testemunhou a sua boa impressão a vosso respeito, alguns fizeram-no por escrito, mas ficou por aí. Os próprios pais assistem ao mistério da Ordenação como algo que nasce de outra fonte. Por isso, renovareis publicamente a confissão dessa misericórdia divina prostrando-vos.
Há anos, ao falar da crise do sacerdócio, o actual Papa dizia que ela nasce em parte da perda desta consciência da eleição de Deus para um serviço prestado ao povo a partir de Deus, para se igualar à mera função social nascida do consenso e da vontade do povo. Vós não sois ministros do povo, nem da sua doutrina, mas ministros de Cristo, como se recordará no diálogo da Ordenação.
O Evangelho convida a decisões definitivas. Fixai o gesto de Eliseu: para servir bem é preciso queimar os outros arados do mundo, e esses arados são os sonhos deixados e até os chamados direitos humanos. Esses direitos vigoram no padre em relação à sociedade civil em que estamos inseridos, mas, no nosso ministério, às vezes é necessário saber perder: «O Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça».
Permiti que vos recorde os três pilares onde deve apoiar-se o vosso coração de padres: a vossa família como raiz remota da vossa vocação, pois embora o sacerdócio não seja fruto do sangue, a sensibilidade primeira e a inclinação original começam geralmente aí; o outro pilar são os vossos colegas padres (os condiscípulos, os mais velhos e os que hão de vir), uma vez que fazeis parte de uma Ordem, a Ordem dos presbíteros e esse pilar é lembrado pela imposição das mãos, não havendo padres por sua conta; o terceiro pilar é a intimidade com Jesus Cristo: pode saber-se teologia sem ter amizade, podem fazer-se coisas religiosas sem amor. Para ser padre é preciso que o saber se faça amor, que a acção seja serviço, admiração, encanto. São três pilares sólidos, mas o maior dos três é o amor a Jesus Cristo: só ele permite vencer alguns momentos de desequilíbrio dos outros dois pilares.
2 - Aos dois candidatos ao Acolitado, lembro que, pela pedagogia dos ministérios e dos graus do sacramento da Ordem, a Igreja ensina que a assimilação interior do sacerdócio leva o seu tempo. Requer esforço pessoal, empenho diário, e não poderemos dar saltos. Recebei como um mandato sagrado estes seis meses para desenvolverdes o amor pessoal e a capacidade de saber incutir nos outros o amor à Palavra de Deus, e, sobretudo, a Jesus na Eucaristia. Tudo o que seja preparar a Primeira Comunhão de crianças, a Profissão de Fé e o Crisma dos jovens e adultos, deve constituir para vós uma oportunidade de aprender a ser Padre.
3 - Queria deixar aos pais e demais adultos participantes nesta Celebração uma palavra de muita estima e de orientação. Ter um filho padre é um dom de Deus, e é um excelente modo de as famílias auxiliarem a sociedade, mas esse dom deve pedir-se a Deus e prepará-lo em família: «Pedi ao Senhor da messe que mande operários para a sua messe». Hoje há poucos padres também porque não são desejados pelos pais. Nunca poderei esquecer o desabafo de algumas mulheres, mães de filhos padres e de religiosas, que afirmaram ter rezado muito, desde o dia do seu casamento, a pedir a Deus que escolhesse algum filho para Ele. Semelhante ao calor desta oração somente a oração do próprio Padre que reza pela vinda de um sucessor.
É este mistério do sacerdócio ministerial que vamos viver na oração desta tarde.
Sé de Vila Real, 1 de Julho de 2007